TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
395 acórdão n.º 577/11 enquanto decorrência da proporcionalidade, na criminalização das condutas abrangidas pelo tipo, as quais são puníveis com pena de prisão e pena de multa. b) Do mérito do recurso 4. O Tribunal Constitucional tem entendido que lhe compete a fiscalização concreta da observância, pelo legislador, do princípio da subsidiariedade do direito penal. Sendo tal princípio enformador da nossa Constituição, decorrendo não só do princípio da proporcionalidade tal como é enquadrado pelo artigo 18.º, n.º 2, ao estabelecer os critérios de validade das leis restritivas de direitos fundamentais, mas também do conceito de Estado de direito democrático, não poderia este parâmetro ser afastado do sistema das garantias judiciais da Constituição. Mas o Tribunal Constitucional tem também afirmado, de modo reiterado, que, na apreciação deste parâmetro, cumpre respeitar a margem de liberdade conformadora que, no plano da definição da política criminal, cabe, nos termos de uma adequada separação de poderes do Estado, ao legis- lador democrático, isto é, à Assembleia da República, em primeira linha, ou ao Governo, uma vez emitida a correspondente credencial parlamentar. A este propósito, escreveu-se o seguinte no Acórdão n.º 634/93 (publicado no Diário da República , I Série, de 31 de Março de 1994): «[O] juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, ao qual se há-de reconhecer, também nesta matéria, um largo âmbito de discricionariedade. A limitação da liberdade de conformação legislativa, nestes casos, só pode, pois, ocorrer quando a punição criminal se apresente como mani- festamente excessiva .» E, no Acórdão n.º 527/95 (publicado no Diário da República, I Série-A, de 10 de Novembro de 1995), «[É] inegável que cabe ao legislador o juízo sobre a necessidade de recurso aos meios penais, dispondo, nesta matéria, uma ampla margem de liberdade, dado que inexiste na Constituição qualquer proibição de criminaliza- ção. Porém, a criminalização de condutas deve restringir-se aos comportamentos que violem bens jurídicos essen- ciais à vida em comunidade, devendo a liberdade de conformação do legislador ser limitada sempre que a punição criminal se apresente como manifestamente excessiva ou o legislador actue de forma voluntarista ou arbitrária, ou ainda as sanções se mostrem desproporcionadas ou desadequadas (…).» A este respeito, Maria Conceição Ferreira da Cunha esclarece que o Tribunal Constitucional pode con- trolar casos extremos de desnecessidade de protecção penal (cfr. Constituição e crime , Universidade Católica Portuguesa, 1995, p. 429). E Figueiredo Dias sustenta que o critério da necessidade ou da carência de pena está ao dispor do legislador, só podendo ser jurídico-constitucionalmente sindicado em “casos gritantes” (cfr. “O ‘Direito Penal do Bem Jurídico’ como princípio jurídico-constitucional”, in XXV anos de jurisprudência constitucional portuguesa , Coimbra Editora, 2009, p. 45). 5. Salienta o recorrido Ministério Público que, até agora, o Tribunal Constitucional apenas considerou procedente a violação do princípio da subsidiariedade do direito penal a propósito de duas questões espe- cíficas, cuja axiologia não encontra paralelo na situação que se apresenta nestes autos. Uma dessas questões dizia respeito à norma do artigo 132.º do Código Penal e Disciplinar da Marinha Mercante, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3852, de 20 de Novembro, que estabelecia a punição criminal, como desertor, do tripulante que, não desempenhando funções directamente relacionadas com a manutenção, segurança e equipagem do navio, o deixasse partir para o mar sem motivo justificado. O Tribunal entendeu que a punição criminal de tal conduta de trabalhador de bordo cujas funções não estão directa e normalmente ligadas com a segurança do navio era um meio excessivo, não respeitando, portanto o princípio da subsidiariedade do direito penal
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