TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

39 acórdão n.º 396/11 natureza e qualidade do trabalho prestado, da mesma forma também o princípio não impõe que as reduções remuneratórias sejam quantitativamente idênticas para todas as pessoas devendo antes ser proporcionais, em termos de justiça distributiva, ao valor mais ou menos elevado das remunerações auferidas. Ficam também exceptuadas da medida as pessoas mencionadas na alínea a ) do n.º 2 do artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado, que aufiram uma retribuição inferior a € 4165. Mas estas não mantêm com o Estado ou outras entidades da Administração Pública uma relação jurídica de emprego com vínculo de subordinação. Trabalharão nomeadamente em comissões de serviço sem vínculo laboral ou em condições análogas. Ora este facto (a inexistência de uma relação jurídica de emprego público) poderá permitir justifi- car a diferenciação. Ainda que não proceda a alegação dos requerentes, subsiste, todavia, uma questão atinente ao princípio da igualdade, tendo a ver com o facto de os destinatários das medidas de redução serem apenas as pessoas que trabalham para o Estado e demais pessoas colectivas públicas, ou para quaisquer das restantes entidades referidas no n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro. Ficam de fora os trabalhadores com remunerações por prestação de actividade laboral subordinada nos sectores privado e cooperativo, os trabalhadores por conta própria, bem como todos quantos auferem rendimentos de outra proveniência. Pode questionar-se se, havendo necessidade de impor sacrifícios patrimoniais em tutela de um interesse público, que a todos diz respeito, não deveriam ser afectadas, por igual, as esferas da generalidade dos cida­ dãos, com idêntica capacidade contributiva. Tal resultaria do princípio da igualdade perante os encargos públicos, que exige que os sacrifícios inerentes à satisfação de necessidades públicas sejam equitativamente distribuídos por todos os cidadãos; todos os cidadãos deverão contribuir de igual forma para os encargos públicos à medida da sua capacidade contributiva. Invocar, a propósito de medidas de consolidação orçamental, o princípio da igualdade perante os encar- gos públicos, princípio estruturante da nossa constituição fiscal, é o mesmo que sustentar que, por exigência do princípio da igualdade, a correcção dos desequilíbrios orçamentais tem necessariamente que ser levada a cabo por via tributária, pelo aumento da carga fiscal, em detrimento de medidas de redução remuneratória. Será assim? É indiscutível que, com as medidas em apreciação, a repartição dos sacrifícios impostos pela situação excepcional de crise financeira não se faz de igual forma entre todos os cidadãos com igual capacidade con- tributiva, uma vez que elas não têm um alcance universal, recaindo apenas sobre as pessoas que têm uma relação de emprego público. Há um esforço adicional em benefício de todos, em prol da comunidade, que é pedido exclusivamente aos servidores públicos. Também não sofre controvérsia que não estava excluída a tomada de medidas de natureza tributária, conducentes à obtenção de uma receita fiscal de montante equivalente ao que se poupa com a redução remu- neratória. E, nessa hipótese, todas as pessoas que auferem iguais rendimentos colectáveis ficariam sujeitas a um igual sacrifício do ponto de vista da sua contribuição para os encargos públicos. Mas esta dupla constatação de forma alguma equivale à fundamentação do cabimento do princípio da igualdade perante os encargos públicos, quando se trata de apreciar a constitucionalidade de medidas estaduais que visam a contenção do défice orçamental dentro de determinados limites. A fundamentação de que aquele princípio tem uma projecção constringente nesta matéria (não como princípio estruturante, mas como princípio impositivo do sistema fiscal), predeterminando o tipo de soluções disponíveis e retirando ao decisor político democraticamente legitimado qualquer margem de livre opção, é algo que fica por fazer. E esse ónus de fundamentação teria que ser satisfeito, pois a definição dos encargos públicos e dos seus limi- tes − o que está aqui em causa – situa-se a montante da questão da sua repartição, sem com ela se confundir. O princípio constitucional da igualdade perante os encargos públicos não pode, pois, ser automaticamente transposto, sem mais, para este campo problemático. É sabido que a actuação, em combate ao défice, pelo lado da receita (privilegiadamente fiscal), ou, antes, pelo lado da despesa (bem como a combinação adequada dos dois tipos de medidas e a selecção das que, de entre eles, merecem primazia) foi (e continua a ser) objecto de intenso debate político e económico.

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