TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
388 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Por outro lado, o facto de a execução fiscal poder prosseguir contra o administrador ou gerente é uma mera consequência processual da existência de uma responsabilidade subsidiária, e não constitui, em si, qualquer indício de que ocorre, no caso, a transmissão para terceiro da sanção aplicada no processo de contra-ordenação (cfr. artigo 160.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário). Acresce que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes assenta, não no próprio facto típico que é caracterizado como infracção contra-ordenacional, mas num facto autónomo, inteiramente diverso desse, que se traduz num comportamento pessoal determinante da produção de um dano para a Administração Fiscal. É esse facto, de carácter ilícito, imputável ao agente a título de culpa, que fundamenta o dever de indemnizar, e que, como tal, origina a responsabilidade civil. Tudo leva, por conseguinte, a considerar que não existe, na previsão da norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b) , do RGIT, um qualquer mecanismo de transmissibilidade da responsabilidade contra-ordenacional, nem ocorre qualquer violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender – o que não é liquido – que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações. 4. Concluindo-se, como se concluiu, que a norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT não pode entender-se como consagrando uma modalidade de transmissão para gerentes ou administradores da coima apli- cada à pessoa colectiva, facilmente se compreende que esse dispositivo não pode também pôr em causa o princípio da presunção da inocência do arguido, a que o tribunal recorrido também fez apelo para declarar a inconstitucio- nalidade do preceito. Na verdade, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, ao estipular no seu primeiro segmento que “[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”, estabelece um princípio da constitui- ção processual criminal que assenta essencialmente na ideia de que o processo deve assegurar ao arguido todas as garantias práticas de defesa até vir a ser julgado publicamente culpado por sentença definitiva (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, Coimbra, 2005, p. 355). Ainda que se aceite que este princípio tem também aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de processo pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o certo é que, no caso, conforme já se esclareceu, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima.” 5. Estas considerações são inteiramente transponíveis para a apreciação da constitucionalidade da norma que é objecto do presente recurso. Efectivamente, não é aqui menos evidente do que era na norma apreciada nesse outro acórdão a natureza civi- lística da responsabilidade em causa, ou seja, que se trata de efectivar uma responsabilidade de cariz ressarcitório, fundada numa conduta própria, posterior e autónoma relativamente àquela que motivou a aplicação da sanção à pessoa colectiva. O chamamento do terceiro a responder pela quantia que não foi possível obter mediante execu- ção do património do primitivo devedor resulta de ser imputada a uma sua conduta culposa a não satisfação das “relações de crédito emergentes da aplicação de multas ou coimas” às pessoas colectivas e entes fiscalmente equipa- rados a que a sanção foi aplicada. Não é a sanção aplicada pelo ilícito contra-ordenacional que se transmite, mas a responsabilidade culposa pela frustração da satisfação do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da coima em que estava definitivamente condenada e deixou criar uma situação em que o património desta se tornou insuficiente para assegurar a cobrança coerciva.» É esta a doutrina que o Tribunal adopta, dirimindo neste sentido o presente conflito jurisprudencial. Na verdade, o artigo 7.º-A do RJIFNA não impõe a transmissão da sanção decorrente do ilícito contra- -ordenacional do ente colectivo para os gerentes e administradores. A norma prevê uma “responsabilidade culposa pela frustração do crédito correspondente que se efectiva contra o gerente ou administrador que, incumprindo deveres funcionais, não providenciou no sentido de que a sociedade efectuasse o pagamento da
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