TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

372 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 13.º, n.º 1, da CRP. Dizendo por outras palavras, não se vê como é que da menor racionalidade do “sistema” possa emergir um regime de recursos que seja constitucionalmente censurável, por se traduzir em tratamento desrazoavelmente diverso (isto é, não justificável à luz da ratio que o próprio regime prossegue) de certas e determinadas posições jurídico-subjectivas. Já vimos que a desigualdade entre a acusação e a defesa, que a situação incongruente porventura trará, não é só por si motivo para que se considerem lesadas as garantias de defesa do arguido em processo cri- minal, consagradas no artigo 32.º da CRP. O que a solução (menos harmónica, face à lógica do sistema) permite é que se abra – em casos de condenação do arguido, em 1.ª instância, em pena não privativa de liberdade, seguida de absolvição em 2.ª instância – uma nova e última fase de recurso perante o Supremo. Nada impedeque, nesta terceira e última fase de discussão do caso, sejam observadas todas as garantias de defesa do arguido. Por outro lado, nada permite concluir que a diversidade de tratamento entre as duas situações seja, à luz apenas do princípio da igualdade, desrazoável, por introduzir entre certas posições jurídico-subjectivas diferenças de regime injustificáveis, face aos fins que, em adequação com os princípios constitucionais que lhe são aplicáveis, o “sistema” legal deve prosseguir. Para dar concretização aos princípios constitucionais que, na matéria, são aplicáveis, resolveu o legis- lador ordinário limitar as situações de recorribilidade, para o Supremo, de decisões [tomadas em recurso] pelas relações aos casos em que: (i) seja maior o merecimento penal; (ii) não haja, através da chamada “dupla conforme” suficiente grau de certeza quanto aos juízos já obtidos quanto à matéria de facto e quanto à ma- téria de direito. O primeiro critério explica que o legislador, no exercício da margem de liberdade conformadora que o Tribunal já lhe reconheceu (Acórdão n.º 353/10), tenha fixado a regra da irrecorribilidade daquelas decisões da relação que, proferidas em recurso, apliquem pena não privativa da liberdade. Mas a verdade é que o facto de o legislador ter tomado, para esta situação típica, a opção da irrecorribilidade, o não constitui em dever de tomar opção idêntica para a situação inversa. O dever não decorre, como já vimos, das garantias de defesa do arguido. O dever não decorre, autonomamente, do princípio da igualdade. Face à ratio do sistema – que busca conciliar garantias de defesa do arguido e realização da justiça pe- nal, com a consequente busca da verdade material –, não se mostra de todo i njustificável que seja aberta mais uma via de recurso naquelas situações em que, a uma condenação em primeira instância em pena não privativa de liberdade, se siga uma absolvição em 2.ª instância. A partir do momento em que se sabe que a abertura de tal via de recurso não coarcta ao arguido o exercício, durante ela, das suas garantias de defesa, nenhum motivo há para que se julgue inconstitucional a solução da recorribilidade. Tal solução pode parecer, na lógica do sistema, incongruente ou menos racional. Mas não é contrária à Constituição. Operando o prin- cípio constitucional da igualdade como vínculo negativo das escolhas do legislador – que só proíbe diferenças de tratamento legislativo que sejam, nos termos atrás definidos, injustificáveis – o facto de o legislador ter escolhido proibir o recurso, na situação de condenação em 2.ª instância em pena não privativa de liberdade, não o constitui na obrigação jurídica de adoptar a mesma regra de proibição na situação dita “simétrica”. Nada há na Constituição que imponha ao legislador, para este caso, um dever líquido e certo de se orientar no sentido da proibição do recurso. III – Decisão Nestes termos, acordam em: a) Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério

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