TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

371 acórdão n.º 546/11 tratamento diferente. Só quando for negativo o teste do “merecimento” – isto é, só quando se concluir que a diferença, ou a igualização, entre pessoas e situações que o regime legal estabeleceu não é justificada por um qualquer motivo que se afigure compreensível face a ratio que o referido regime, em conformidade com os valores constitucionais, pretendeu prosseguir – é que pode o juiz constitucional censurar, por desrazoabilidade, as escolhas do legislador. Fora destas circunstâncias, e, nomeadamente, sempre que estiver em causa a simples verificação de uma menor “racionalidade” ou congruência interna de um sistema legal, que contudo se não repercuta no trato diverso – e desrazoavlmente diverso, no sentido acima exposto – de posições jurídico-sub- jectivas, não pode o Tribunal Constitucional emitir juízos de inconstitucionalidade. Nem através do princípio da igualdade (artigo 13.º) nem através do princípio mais vasto do Estado de direito, do qual em última análise decorre a ideia de igualdade perante a lei e através da lei (artigo 2.º), pode a Constituição garantir que sejam sempre “racionais” ou “congruentes” as escolhas do legislador. No entanto, o que os dois princípios claramente proíbem é que subsistam na ordem jurídica regimes legais que impliquem, para as pessoas, diversidades de tra- tamento não fundados em motivos razoáveis. O regime de recursos em processo penal contém, seguramente, uma certa unidade sistémica, essa mes- ma que decorre, como já vimos, do facto de cada uma das suas normas dever concorrer para a prossecução do fim que é comum ao sistema: o de assegurar a congruência prática entre, por um lado, o princípio constitu- cional de observância das garantias de defesa do arguido e, por outro, o princípio constitucional da necessária realização, em tempo côngruo, da justiça penal. Foi em função desse fim comum que a actual redacção do n.º 1 do artigo 400.º do CPP determinou as situações de irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça, das decisões proferidas em recurso pelos Tribunais da Relação. Para tanto, e após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, o “sistema” parece assentar em dois grandes critérios que orientaram as escolhas do legislador. Por um lado, terá o legislador entendido que o recurso para o Supremo (de decisões tomadas, também em recurso, pelas Relações) deveria ser reservado aos casos de maior merecimento penal. É nesse contexto – corroborado, aliás, pela exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que iniciou o procedimento legislativo que conduziu à aprovação da Lei n.º 48/2007 – que se compreenderá a versão actual da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, que consagrou a regra da irrecorribilidade de todas as decisões, proferidas em recurso pelos tribunais da relação, que apliquem pena não privativa de liberdade; ou que se compreenderá a actual redacção da alínea f ) do mesmo n.º 1, que consagrou por seu turno a regra da irrecorribilidade dessas decisões, quando apliquem pena de prisão não superior a 8 anos. Por outro lado, entendeu ainda o legislador que o recurso para o Supremo não deveria ser admitido sempre que sobre o caso tivessem já recaído dois juízos, proferidos pelas instâncias, de teor conforme. É de acordo com este critério – já proveniente, aliás, da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – que se compreende a alínea d) , bem como a primeira parte da alínea f ) , do mesmo n.º 1 do artigo 400.º 13.  Sustenta o tribunal a quo que este sistema de recursos, funcionalizado ao fim que acima mencioná- mos e assente nos critérios que acabámos de individualizar, é internamente incongruente; e que a sua incon- gruência é de molde a merecer juízo de inconstitucionalidade nos termos do artigo 13.º da CRP. Como já se viu, a tese – que defende ocorrer no caso, por incongruência sistémica, violação do princípio da igualdade [em ligação com o princípio das garantias de defesa do arguido] – assenta no modo diverso pelo qual o legislador tratou duas situações que são tidas como “simétricas”. Na situação em que o arguido é absol- vido, em primeira instância, e depois condenado, em segunda instância, em pena não privativa de liberdade, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP. Mas na situação inversa ou simétrica – em que o arguido é condenado em 1.ª instância em pena não privativa da liberdade, e depois absolvido pela relação – caberá recurso, a interpor naturalmente pela “acusação”. Sem questionar a possível incongruência ou menor racionalidade que a solução possa, face à lógica do sistema, apresentar – incongruência ou menor racionalidade que, como já foi dito, não cabe ao juiz constitu- cional censurar – não se vê como é que de tal estado de coisas possa decorrer a violação do disposto no artigo

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