TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

370 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 11. Com efeito – e como sempre tem dito o Tribunal (vejam-se, entre outros, os Acórdãos n. os 132/92 e 640/04, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) –, nem o processo penal é constitucionalmente concebido como se de um processo de partes se tratasse nem, nele, o princípio da igualdade de armas entre a acusação e a defesa pode ser lido como obrigando ao estabelecimento de uma igualdade matemática ou sequer lógica entre o estatuto processual de quem se defende e o estatuto processual de quem acusa. É certo que, descontada esta concepção mecanicista do princípio, que a Constituição não postula, a igualdade de armas deve operar sempre em favor da defesa. De tal modo que pode dizer-se que se é verdade que dela não decorre uma injunção de equiparação “matemática” entre condições processuais da defesa e da acusação, não menos verdade é que dela nasce a ideia segundo a qual quem acusa não deve dispor de meios de influência (sobre o modo pelo qual o tribunal forma a sua convicção) que sejam, na sua substância e efectividade, manifesta e desrazoavelmente superiores àqueles que são conferidos a quem se defende. A questão está, porém, em saber se tal basta para que, à luz do direito constitucional de defesa – e do princípio da igualdade de armas –, se conclua pela proibição constitucional da admissibilidade de recurso a interpor pelo Ministério Público e pelo assistente de sentenças absolutórias proferidas pela Relação, apenas porque, no caso “simétrico” de sentenças condenatórias, a lei veda o recurso ao arguido. É que sempre se dirá que se a este último forem dados, na nova frase processual que então se abre, todos os necessários e suficientes meios de apresentação das suas razões, nenhum motivo há para que se pense que foi o simples reconhecimento do direito de recurso à acusação (com a negação de semelhante direito à defesa, em caso simétrico) que fez emergir uma ruptura, constitucionalmente censurável, do princípio da igualdade de armas. Se se fundasse, autonomamente e apenas, na violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a recusa de aplicação de norma, feita pela decisão recorrida, não teria, portanto, razão.  A verdade, porém, é que foi outro o percurso argumentativo seguido pelo tribunal a quo. Numa tentativa de reconstrução racional desse percurso, poderá sustentar-se que, se nele foi incluído o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição – ou, mais rigorosamente: se no parâmetro de controlo à luz do qual foi invalidada a norma sob juízo se incluíram as garantias constitucionais dos direitos de defesa do arguido e o seu direito ao recurso –, tal sucedeu porque o tribunal a quo se viu na necessidade de demonstrar que tinha perante si um sistema, modelado pela lei, de recursos em processo penal que não padecia apenas de um desequilíbrio interno. Mais do que isso. Ao tratar diferentemente situações “simétricas”, sem, que à luz da sua própria lógica interna, se pudesse justificar a diferença, continha o referido sistema de recursos uma medida de desigualdade intolerável pela Constituição. Sendo este o caminho da argumentação que a decisão recorrida percorreu, é à face dele que se deverá resolver a questão de constitucionalidade que foi colocada. 12.  É ponto assente que qualquer regime de recursos que, neste domínio, o legislador ordinário esta­ beleça deve prosseguir as finalidades que a Constituição assinala, em geral, ao direito processual penal: assegurar a necessária concordância prática entre, por um lado, as garantias de defesa do arguido, incluindo o seu direito ao recurso, e, por outro, o imperativo de realização em tempo côngruo da justiça penal. Nesta medida, o referido modelo não pode deixar de se apresentar como um sistema, isto é, como um conjunto de soluções normativas entre si harmónicas, porque concorrentes, todas elas, para a prossecução dessas finalida- des comuns que, em última análise, cada uma justificam. Por outro lado, é também ponto assente que o n.º 1 do artigo 13.º da CRP, ao submeter os actos do poder legislativo à observância do princípio da igualdade, pode implicar a proibição de sistemas legais internamente incongruentes, porque integrantes de soluções normativas entre si desarmónicas ou incoerentes. Ponto é, no entanto – e veja-se, por exemplo, o Acórdão n.º 232/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o carácter incongruente das escolhas do legislador se repercuta na conformação desigual de certas situações jurídico-subjectivas, sem que para a medida de desigualdade seja achada uma certa e determinada razão. É que não cabe ao juiz constitucional garantir que as leis se mostrem, pelo seu conteúdo, “racionais”. O que lhe cabe é apenas impedir que elas estabeleçam regimes desrazoáveis, isto é, disciplinas jurídicas que diferenciem pessoas e situações que mereçam tratamento igual ou, inversamente, que igualizem pessoas e situações que mereçam

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=