TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

37 acórdão n.º 396/11 Pode pôr-se em dúvida, em face deste panorama, se, no momento em que as reduções entraram em vigor, persistiam ainda as boas razões que, numa situação de normalidade, levam a atribuir justificadamente consistência e legitimidade às expectativas de intangibilidade de vencimentos. Do que não pode razoavelmente duvidar-se é de que as medidas de redução remuneratória visam a sal- vaguarda de um interesse público que deve ser tido por prevalecente – e esta constitui a razão decisiva para rejeitar a alegação de que estamos perante uma desprotecção da confiança constitucionalmente desconforme. Na verdade, à situação de desequilíbrio orçamental e à apreciação que ela suscitou nas instâncias e nos mercados financeiros internacionais são imputados generalizadamente riscos sérios de abalo dos alicerces (senão, mesmo, colapso) do sistema económico-financeiro nacional, o que teria também, a concretizar-se, consequências ainda mais gravosas, para o nível de vida dos cidadãos. As reduções remuneratórias integram- -se num conjunto de medidas que o poder político, actuando em entendimento com organismos internacio- nais de que Portugal faz parte, resolveu tomar, para reequilíbrio das contas públicas, tido por absolutamente necessário à prevenção e sanação de consequências desastrosas, na esfera económica e social. São medidas de política financeira basicamente conjuntural, de combate a uma situação de emergência, por que optou o órgão legislativo devidamente legitimado pelo princípio democrático de representação popular. Não se lhe pode contestar esse poder-dever. Como se escreveu no Acórdão n.º 304/01: «Haverá, assim, que proceder a um justo balanceamento entre a protecção das expectativas dos cidadãos decor­ rentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as mais acer- tadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam “tocadas” relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte». Diferentemente dos casos julgados pelos Acórdãos n. os 303/90 e 141/02, o interesse público a salvaguar- dar, não só se encontra aqui perfeitamente identificado, como reveste importância fulcral e carácter de pre- mência. É de lhe atribuir prevalência, ainda que não se ignore a intensidade do sacrifício causado às esferas particulares atingidas pela redução de vencimentos. Como último passo, neste quadrante valorativo, resta averiguar da observância das exigências de propor- cionalidade (cfr., quanto à necessária conjugação do princípio da protecção da confiança com o princípio da proibição do excesso, Reis Novais, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa , Coim- bra, 2004, pp. 268-269). Admitido que a expectativa de manutenção dos montantes remuneratórios e de ajudas de custo tenha que ceder, em face da tutela de um interesse público contrastante de maior peso, ainda assim há que controlar se as concretas medidas transitórias de redução remuneratória, previstas no artigo 19.º da Lei do Orçamento do Estado, abrangendo todo o universo dos trabalhadores com uma relação de emprego público, e as medidas de redução de ajudas de custo que resultam dos artigos 20.º e 21.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011, abrangendo os magistrados judiciais e do Ministério Público, traduzem ou não uma afectação desproporcionada de uma posição de confiança, tendo em conta os três níveis em que o princípio da proporcionalidade se projecta. Que se trata de uma medida idónea para fazer face à situação de défice orçamental e crise financeira é algo que resulta evidente e se pode dar por adquirido. Quanto à necessidade, um juízo definitivo terá que ser remetido para a análise subsequente, à luz do princípio da igualdade, a que o princípio da proporciona- lidade também está associado. Implicando a ponderação de eventuais medidas alternativas, designadamente as que produziriam efeitos de abrangência pessoal mais alargada, é nessa sede que a questão poderá ser mais cabalmente tratada e decidida. Por último, a serem indispensáveis, as reduções remuneratórias não se podem considerar excessivas, em face das dificuldades a que visam fazer face. Justificam esta valoração, sobretudo, o seu carácter transitório e o patente esforço em minorar a medida do sacrifício exigido aos particulares, fazendo-a corresponder ao quantitativo dos vencimentos afectados. Assim é que, para além da isenção de que

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