TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
369 acórdão n.º 546/11 uma contradição no sistema legislativo, resultante do diverso tratamento – sempre em prejuízo dos direitos da defesa – de duas situações que são tidas como perfeitamente simétricas (no caso em que o arguido é con- denado não pode recorrer e pedir a sua absolvição, no caso em que é absolvido pode a acusação recorrer e pedir a sua condenação). De acordo com a primeira orientação, o problema resolver-se-ia por meio dos crité- rios interpretativos próprios do direito infraconstitucional, critérios esses que teriam portanto a virtualidade de fazer descobrir, por detrás da aparência do mau direito, a correcta solução dado ao caso pelo legislador ordinário. De acordo com a segunda orientação, não havendo aqui lugar algum para a interpretação – dada a natureza típica das situações excepcionais que são previstas no elenco do n.º 1 do artigo 400.º do CPP –, tornar‑se-ia inequívoca a solução desejada pelo legislador: em caso de sentenças, proferidas em recurso, pela Relação, que absolvam o arguido em pena não privativa de liberdade, pode a “acusação” recorrer para o Su- premo; mas já no caso simétrico (de sentenças condenatórias na mesma pena) não pode o arguido recorrer. Sendo incontestável a “existência” desta norma, é sobre ela que incide o juízo de inconstitucionalidade, por lesão dos artigos 32.º, n.º 1, e 13.º da Constituição. Interpôs-se recurso para o Tribunal Constitucional de decisão em que foi maioritária a segunda orien- tação. Assim – e apesar de, nela, os argumentos de direito constitucional surgirem em discussão com argu- mentação relativa à interpretação do direito ordinário, argumentação essa alheia à competência própria do Tribunal – é o resultado interpretativo que essa orientação, maioritária, acolheu, que surge como um dado no presente recurso de constitucionalidade. Importa, por isso, resolver a questão. 10. Para sustentar o seu juízo, entendeu a decisão recorrida que, por implicar uma diferença de trata- mento em casos que deveriam ser tratados como iguais, a norma sub judicio viola o artigo 13.º e 32.º, n.º 1, da Constituição. Note-se, como já se disse, que não resulta totalmente claro se o parâmetro constitucional que serve de fundamento à recusa de aplicação da norma é apenas um – reportado a uma conjugação entre o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição e os direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso, que se retiram do artigo 32.º, n.º 1 –, ou se, para sustentar a sua decisão, o tribunal a quo invoca, como vícios de inconstitucionalidade autónomos, por um lado, o princípio da igualdade e, por outro, os direitos de defesa do arguido. Em qualquer caso, é seguro que na base do entendimento sufragado pelo tribunal a quo está o confronto entre duas situações consideradas como simetricamente opostas em que, na primeira, existe uma condenação em pena não privativa de liberdade seguida de absolvição e, na segunda, uma absolvição seguida de conde- nação em pena não privativa da liberdade. Importa observar que o que está aqui em causa não é a conformidade constitucional da irrecorribilidade do recurso na segunda situação, determinada pelo disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, pois é pacífico que o direito ao recurso que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, integra as garantias de defesa do arguido não impõe o esgotamento de todas as instâncias que a lei preveja, poden- do o legislador determinar a irrecorribilidade das decisões da Relação que, em recurso de decisões abso lutórias da primeira instância, condenem o arguido (vide, nesse sentido, Acórdão n.º 353/10, disponível em www.tribunalconstitucional.pt e jurisprudência nele referida). O que é censurado é que, ao mesmo tempo que, para determinado tipo de situações (absolvição na primeira instância seguida de condenação numa pena não privativa de liberdade), impede a interposição do recurso por parte do arguido, a lei consinta a interposição do recurso pela acusação na situação simetrica- mente oposta em que o arguido é absolvido na Relação, tendo sido condenado na primeira instância numa pena não privativa de liberdade. Ora, se assim é, dir-se-ia, numa primeira apreciação, que a norma sub judicio não mereceria qualquer censura à luz dos direitos de defesa do arguido, tal como consagrados no artigo 32.º, n.º 1, da Cons tituição.
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