TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
368 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Nas “duas imagens invertidas”, o arguido não teria direito a interpor recurso em qualquer delas, mas permitir- -se-ia ao M.º P.º e ao Assistente, numa delas, um direito que àquele não assiste (o terceiro grau de jurisdição). Criar-se-ia uma desigualdade de armas, desfavorecendo o arguido e beneficiando a acusação. É certo que o Processo Penal não é um processo de partes. Mas o direito de defesa, constitucionalmente prote- gido, exige a igualdade de armas, pelo menos após o encerramento do inquérito. (…) Ora, o tratamento diferente que a lei processual dá aos dois casos de recorribilidade anteriormente indicados, simetricamente opostos e, portanto, indissociáveis, já que não se pode encarar um sem vislumbrar o outro, como num espelho que inverte a imagem da mesma “figura”, coloca o arguido nesta situação absurda: naquele em que é condenado, não lhe é permitido recorrer para obter a sua absolvição, no outro em que é absolvido, a acusação pode recorrer para obter a sua condenação! Esta diferença de tratamento, em casos que deveriam ser tratados como iguais, é irrazoável e arbitrária, para mais com ofensa do núcleo fundamental do direito de defesa. Há ofensa, nesta interpretação das normas de processo penal, dos artigos 13.º e 32.º, n.º 1, da Constituição, por violação material dos direitos à igualdade e de defesa (através do recurso) no processo penal. Não se nega à “acusação” (M.º P.º ou Assistente) o direito, também constitucionalmente protegido, de recorrerem das decisões desfavoráveis, mas têm de o fazer em pé de igualdade com a defesa, nunca com superioridade de meios.» Deve desde já dizer-se que, perante estes fundamentos, não resulta totalmente claro se o parâmetro constitucional que serve de base à decisão de recusa de aplicação de norma é apenas um – reportado a uma conjugação entre o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição e os direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso, que se retiram do artigo 32.º, n.º 1 – ou se, para sustentar a sua decisão, o tri- bunal a quo invoca, como vícios de inconstitucionalidade autónomos, por um lado, o princípio da igualdade e, por outro, os direitos de defesa do arguido. Mas para além desta dúvida, à qual ainda se voltará, uma outra se coloca, face ao teor da declaração recorrida. 9. Com efeito, compreende-se, pelos termos da declaração de voto que acompanha a referida decisão, que não foi incontroversa a qualificação do problema que acabou por ser colocado, como problema de cons- titucionalidade, ao Tribunal Constitucional. De acordo com uma das orientações a este propósito expressas (e constante da referida declaração), a questão não seria de constitucionalidade mas de interpretação do direito ordinário. A reposição do equilíbrio e da harmonia no seio do sistema de recursos em processo penal (que a assimetria das soluções aparentemente encontradas revelava) sempre se poderia efectuar, para esta orientação, por via interpretativa: bastaria para tanto considerar também legalmente inadmissível o recurso interposto da sentença absolutória, por força da redução teleológica da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, de acordo com o princípio base inscrito no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código. Não foi, no entanto, esta a orientação que veio a ser perfilhada pela decisão recorrida que, entendendo ilegítima a escolha daquela via “interpretativa” – por, mais do que interpretação, implicar correcção da solu ção fixada pelo legislador ordinário –, não deixou de considerar que a única leitura possível da lei seria a da admissão do recurso em caso de sentença absolutória, leitura essa que, como se viu, conduziu ao juízo de inconstitucionalidade e à consequente recusa de aplicação de norma. Não compete ao Tribunal Constitucional tomar posição sobre qual seja a correcta interpretação do di- reito ordinário. No caso sob juízo, o que parece certo é que o dado perante o qual é o Tribunal é confrontado é de uma verdadeira recusa de aplicação de norma com fundamento em inconstitucionalidade, o que justifica a sua intervenção nos termos da Constituição e da lei. Com efeito, na base das duas orientações interpretativas em disputa no caso concreto – a que propugna a redução da norma relativa à admissibilidade do recurso, e a que, entendendo tal redução como ilegítima, concluí pelo juízo de inconstitucionalidade – está uma mesma e única situação de partida: a verificação de
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