TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
367 acórdão n.º 546/11 Entendeu o tribunal a quo que tal norma, assim interpretada, era inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 1, e 13.º da Constituição. 8. A argumentação que conduziu ao juízo de inconstitucionalidade desenvolveu-se ao longo de quatro passos essenciais. Considerou antes do mais o Supremo que, como em processo penal valia, em matéria de recorribilidade das decisões judiciais, a regra geral constante do artigo 399.º do CPP (é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei), o elenco das decisões irrecorríveis fixado pelo n.º 1 do artigo 400.º do CPP teria que ser lido como um elenco fechado de excepções típicas, cada uma delas insusceptível de ser alargada ou reduzida por via de interpretação. Por ser assim, concluiu que, no caso dos autos, haveria que se admitir o recurso interposto pelo Minis tério Público e pelo assistente da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, que absolvera o arguido na condenação que lhe fora imposta pela primeira instância em pena não privativa de liberdade. E isto porque o tipo de decisão em causa (decisão absolutória proferida em recurso pela Relação, que revoga decisão con- denatória tomada em 1.ª instância) se não podia subsumir a nenhuma das excepções típicas (configuradoras de decisões irrecorríveis) taxativamente enumeradas no n.º 1 do artigo 400.º do CPP. No entanto, tal norma – a que admite recurso de decisões absolutórias proferidas pela Relação que revoguem condenação do arguido em primeira instância em pena não privativa de liberdade – foi confron- tada com a outra, aplicável, segundo o Supremo, à situação simetricamente oposta. Em casos de acórdãos da Relação, proferidos em recurso, que condenem o arguido em pena não privativa de liberdade, nunca há recurso para o Supremo. É o que decorre, a contrario, do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP. Chega-se assim – e é este o terceiro passo de argumentação dado pela decisão recorrida – a uma solução legislativa que desafia a coerência do sistema. Se o arguido for condenado pela Relação em pena não privativa de liberdade (em acórdão proferido em recurso), a decisão condenatória é, para qualquer uma das “partes”, irrecorrível. Mas se o arguido for absolvido, então – e porque tal não configura uma das excepções típicas à regra geral da admissibilidade dos recursos –, a “acusação”poderá sempre recorrer, havendo portanto lugar ao segundo grau de recurso, coisa que a lei excluíra na situação “simetricamente oposta”. Finalmente, entendeu o Supremo que a solução legislativa, mais do que incoerente ou desafiadora da lógica de sistema, era inconstitucional, por lesar conjuntamente quer os princípios constitucionais relativos às garantias da defesa em processo criminal (artigo 32.º, n.º 1, da CRP) quer o princípio da igualdade, enten dido como proibição do arbítrio (artigo 13.º, n.º 1, da CRP). Fê-lo invocando os seguintes termos: «Já vimos que a simples leitura dos artigos 399.º e 400.º do CPP permite que existam em simultâneo estas duas situações: – não é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade por determinado crime e que, assim, revogou a absolvição da 1.ª instância [artigo 400.º, n.º 1, alínea e) , do CPP]; – é recorrível para o STJ o acórdão da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determi- nado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1.ª instância numa pena não privativa da liberdade (artigos 399.º e 400.º, este a contrario ). Trata-se, porém, da mesma situação, embora em posições invertidas, pois uma é simetricamente o inverso da outra. Apesar da manifesta semelhança, há um tratamento legislativo diferente ao nível da interposição dos recursos. A primeira situação não é passível de um juízo de inconstitucionalidade (…) Contudo, o que já não é tolerável do ponto de vista dos direitos de defesa é que no caso simetricamente oposto a esse, em que ao arguido continua vedado o direito a novo recurso, agora por falta de interesse em agir (pois foi absolvido na segunda instância da acusação, após condenação na 1.ª instância em pena não privativa da liberdade), a acusação, isto é, o Ministério Público ou Assistente, possa recorrer.
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