TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
360 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL prevalência do fundo sobre a forma e, portanto, a orientação pela verdade material, que se procura alcançar através da concessão ao juiz de um papel mais interventor e da submissão da actuação do Tribunal e das partes a um princípio de cooperação. Trata-se do primeiro esforço de ruptura com algumas das tradições na- poleónicas e liberais do processo civil nacional, em especial quanto ao âmbito da disponibilidade das partes sobre o processo e ao predomínio da discussão escrita sobre a oral, e de uma primeira actualização segundo as modernas ‘correntes do tempo e do espírito no processo.’ (Franz Klein).” Ora, da interpretação efectivamente adoptada pelo acórdão recorrido decorre que o recurso é rejeitado sempre que a motivação não seja acompanhada das respectivas conclusões, sem haver lugar à prolação do despacho de aperfeiçoamento, com vista à sua enunciação. Sanciona-se, no grau máximo, com a perda do direito de recorrer um desvio formal, considerando os fins para que a disciplina processual foi estabelecida, qual seja a de tornar a respectiva peça processual mais facilmente manuseável, pois que ganha, sem dúvida, um patamar sintético apreciável para as restantes partes e para o tribunal. No entanto, a gravidade das con- sequências processuais é totalmente desproporcionada à gravidade e relevância do desvio introduzido no modelo legalmente previsto, já que torna inviável o conhecimento do recurso, pelo facto de ser omitida uma formalidade facilmente colmatável, como é no processo penal e contra-ordenacional e o era no processo civil, tronco comum donde emergiu a disciplina para os restantes ramos do direito adjectivo. É de reiterar, ainda, e conforme se disse no recente Acórdão n.º 434/11 (disponível em www.tribunal- constitucional.pt ): «Apesar de se reconhecer a importância de uma estrutura processual deliberadamente simplificada e célere (…), é imperioso garantir que o bem jurídico celeridade não comprometa, de forma desproporcional, o princípio do contraditório, sob pena de violação incomportável do acesso à tutela jurisdicional efectiva. A propósito do equilíbrio necessário entre a celeridade processual e a justiça da decisão, em termos transpo- níveis para a presente situação, refere C. Lopes do Rego: ‘As exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil – terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balan- ceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional – podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adopção de ‘mecanis- mos que desencorajem as partes de adoptar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo’, sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional – não apenas célere - mas também justa, adequada e ponderada’ ( “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, in Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , Coimbra Editora, 2003, p. 855). Do exposto resulta que uma falha processual – maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflicta considerável grau de negli- gência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitectura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efectividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais – que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.» Nesta dimensão, a norma que decorre do artigo 685.º-C, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, para além de estabelecer um manifesto retrocesso com os fins tidos em vista com a reforma do Processo Civil de 1995, que teve em vista, nomeadamente, colocar este texto legal em consonância com a Constituição da República, a nível dos seus princípios estruturantes, estabelece também, uma consequência desproporciona- da e viola o princípio do processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição. Pelo exposto, concederia provimento ao recurso, porquanto a decisão que fez vencimento põe em causa, face às razões que se adurizam, o processo equitativo consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
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