TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

36 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Nesta conformidade, tem de se concluir que, por força do estabelecido na própria disposição legal que a previa, se estava perante uma “remuneração acessória” com um regime especial que lhe conferia uma particular estabilidade e consistência, o que justificava a expectativa do seu integral recebimento por banda dos funcionários afectados. Ora, o que aconteceu foi que, por via da norma em causa, a remuneração global dos funcionários por ela abrangidos foi objecto de uma “redução substancial” e com “efeitos imediatos”, o que também se afigura par- ticularmente relevante. […] Por outro lado, não se descortinam – nem sequer foram invocados – quaisquer motivos que pudessem aqui “justificar” a adopção da medida com efeitos retrospectivos, nomeadamente particulares razões de interesse público ou uma qualquer alteração objectiva e concreta das condições de trabalho do pessoal afectado». Isto é, tendo sido dado por assente, em ambos os casos, que a confiança legítima saíra vulnerada com as soluções impugnadas, o Tribunal não descortinou qualquer interesse público cuja salvaguarda as pudesse justificar. Daí a decisão de inconstitucionalidade. Merecerá idêntico juízo o caso agora em apreciação? Não custa admitir que uma redução remuneratória abrangendo universalmente o conjunto de pessoas pagas por dinheiros públicos não cai na zona de previsibilidade de comportamento dos detentores do poder decisório. O quase contínuo passado de aumentos anuais dos montantes dos vencimentos, na função públi­ ca, legitima uma expectativa consistente na manutenção, pelo menos, das remunerações percebidas e a toma- da de opções e a formação de planos de vida assentes na continuidade dessa situação. As reduções agora introduzidas, na medida em que contrariam a normalidade anteriormente estabeleci- da pela actuação dos poderes públicos, nesta matéria, frustram expectativas fundadas. E trata-se de reduções significativas, capazes de gerarem ou acentuarem dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de compromissos assumidos pelos cidadãos. Sem esquecer que, relativamente a algumas catego- rias de destinatários, elas se cumularam com outras medidas anteriores de redução remuneratória. Assim, a redução prevista no artigo 19.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado “tem por base a remuneração total ilíquida apurada após a aplicação das reduções previstas nos artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, e na Lei n.º 47/2010, de 7 de Setembro, para os universos neles referidos”, sendo certo que tais diplomas já tinham operado reduções remuneratórias (artigo 19.º, n.º 8). De facto, os artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 12-A/2010 tinham reduzido, a título excepcional, em 5%, os vencimentos mensais ilíquidos dos titulares de cargos políticos e dos gestores públicos e equiparados e, também, o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 47/2010 tinha já reduzido, a título excepcional, em 5%, o vencimento mensal ilíquido dos membros das Casas Civil e Militar da Presidência da República, dos gabinetes dos membros do Governo, dos gabinetes dos Governos Regionais, dos gabinetes de apoio pessoal dos presidentes e vereadores das câmaras municipais e dos governadores civis. Essa redução teve, além disso, efeitos imediatos, logo no dia de entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado, ou seja, um dia após a sua publicação em Diário da República. Não se pode ignorar, todavia, que atravessamos reconhecidamente uma conjuntura de absoluta excep- cionalidade, do ponto de vista da gestão financeira dos recursos públicos. O desequilíbrio orçamental gerou forte pressão sobre a dívida soberana portuguesa, com escalada progressiva dos juros, colocando o Estado português e a economia nacional em sérias dificuldades de financiamento. Os problemas suscitados por esta situação passaram a dominar o debate político, ganhando também foros de tema primário na esfera comu- nicacional. Outros países da União Europeia vivem problemas semelhantes, com interferências recíprocas, sendo divulgada abundante informação a esse respeito. Neste contexto, e no quadro de uma estratégia global delineada a nível europeu, entrou na ordem do dia a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas, incluindo as resultantes do pagamento de remunerações. Medidas desse teor foram efectivamente tomadas noutros países, com larga anterioridade em relação à publicação da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2011, e com reduções remuneratórias mais acentuadas do que aquelas que este diploma veio a implementar.

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