TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
35 acórdão n.º 396/11 «Para que para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança” é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do “comporta- mento” estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa». Como se vê, a protecção da confiança, enquanto corolário e exigência do princípio do Estado de direito democrático, princípio, este, de “contornos fluidos” e “conteúdo relativamente indeterminado”, quando “não acha devido apoio noutros preceitos constitucionais” (como reconheceu o Acórdão n.º 93/84), foi objecto de um intenso labor de densificação que lhe traçou um preciso âmbito de aplicação, bem como um modo procedimental de (necessária) confrontação com princípios constitucionais e interesses constitucional- mente credenciados, em oposição. São esses critérios que há que aplicar nos presentes autos. Vêm invocados, como precedentes, os Acórdãos n. os 303/90 e 141/02, referíveis a situações em que determinadas alterações legislativas, constantes de leis do orçamento (respectivamente, o Orçamento do Estado para 1989 e os Orçamentos do Estado para 1992 e 1993) tinham como implicação uma redução remuneratória de certas categorias de trabalhadores com relação de emprego público. E efectivamente, em ambos os casos, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas impugnadas, “por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição”. Mas urge atentar nos fundamentos que sustentam as decisões. A razão invocada no Acórdão n.º 303/90 foi a falta de justificação específica da medida que implicava uma redução salarial. Aí se diz: «Não nos dá a Lei n.º 114/88, nem os seus trabalhos preparatórios, qualquer indicação sobre a existência de motivos ligados à prossecução ou salvaguarda de interesses (designadamente económicos ou financeiros) tais que, de um ponto de vista proporcional, aconselhassem à suspensão do “vencimento adquirido” pelos agentes de ensino em causa e, por isso, afectasse esse direito, sob pena de se não alcançar aquelas prossecução ou salvaguarda. […] Torna-se, desta arte, indescortinável qual seja o interesse e a sua suficiente relevância que levaram à suspensão do regime da Lei n.º 103/88. […] Atingido um nível remuneratório que lhes conferia [aos titulares da remuneração], na ocasião da entrada em vigor desta última Lei, um quantitativo então igual ao percebido pelos professores diplomados com os cursos das escolas do magistério primário, é perfeitamente compreensível que os destinatários daquele diploma ficassem possuídos da convicção de que esse «direito» subjectivado a tal quantitativo, já concretizado objectivamente, para o futuro, e sem que surgissem acentuadas alterações da conjuntura económico-financeira, era algo de reconhecido pela ordem jurídica e com o qual eles podiam e deviam contar, deste modo ficando convencidos que o dito mon- tante não seria diminuído. Ao suspender o referido “direito”, o n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88 veio, de forma efectiva, frustrar a indicada convicção, sem que se antolhe a existência de situação de interesse geral ou conformação social de sufi- ciente peso que pudessem tornar previsível ou verosímil tal suspensão. Por isso se depara uma inadmissível (porque irrazoável, extraordinariamente onerosa e excessiva) afectação levada a cabo pela norma sindicada». Já o Acórdão n.º 141/02 inscreveu, na sua fundamentação, como motivos da declaração de inconstitu- cionalidade, a “redução substancial” da remuneração com “efeitos imediatos”, conjugada com a inexistência ou falta de invocação de um específico “interesse público” que pudesse justificar a medida. Nas palavras do Acórdão:
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