TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

349 acórdão n.º 525/11 A constituição dessa servidão implicou a perda da aptidão para construção, a supressão de uma faculda- de incluída no direito de propriedade (ou a ele acrescida, pela classificação administrativa, para quem enten- da que essa faculdade não lhe é inerente). Mas não contende com a subsistência do direito de propriedade na esfera jurídica do seu titular, nem sequer atinge o conteúdo ou núcleo essencial desse direito de propriedade. Na verdade, como reiteradamente este Tribunal tem afirmado (a propósito da apreciação da incons- titucionalidade orgânica de normas com conteúdo limitador do direito a edificar), o ius aedificandi não se inclui no núcleo essencial do direito de propriedade privada, que é tutelado pela Constituição como direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias (cfr., entre outros, os Acórdãos n. os 329/99, 544/01 e 496/08). Mas a não inclusão destas situações no campo aplicativo do Código das Expropriações, que esta carac­ terização do ius aedificandi justifica, de modo algum implica a denegação, de plano, de indemnização pela cons- tituição de uma servidão non aedificandi de protecção a uma estrada, quando não está verificada nenhuma das previsões do n.º 2 do artigo 8.º desse diploma. A ser essa a solução, ela deveria ter-se por inconstitucional, por violação do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos. Mas não é essa a consequência a retirar da aplicação (pela negativa) da norma impugnada, tal como legislativamente enunciada. De facto, essa aplicação apenas afasta um certo regime de indemnização, um certo modo de protecção do direito de propriedade, não implicando forçosamente a irressarcibilidade de todos e quaisquer danos de carácter patrimonial sofridos por um particular para satisfação de um interesse público, que não resultem de expropriação ou de acto equiparável. Há que ver se outras normas legais, igualmente votadas a traçar um regime de indemnização por sacrifícios dignos de compensação, são ou não aplicáveis à situação sub judicio. Como oportunamente adverte Marcelo Rebelo de Sousa, in Diogo Freitas do Amaral e Outros, Direito do Ordenamento do Território e Constituição, Coimbra, 1998, p. 57, «[O] juízo de inconstitucionalidade não pode recair sobre uma norma legal dissociando-a de todas as demais que vigoram no ordenamento jurídico encarado e, designadamente, daquelas que lhe são mais próximas». Essa visão sistémica é indispensável, quando o que está em causa é saber se o princípio da igualdade na repartição de encargos públicos é suficientemente acautelado pelo direito ordinário, ao reger as consequên- cias indemnizatórias das vinculações restritivas impostas ao direito de propriedade. E nada autoriza a pensar que os regimes especiais (o constante do artigo 8.º, n.º 2, do Código das Expropriações, e os demais regimes fixados para situações particulares previstas noutros diplomas) esgotam as hipóteses de possibilidade de inde­ mnização dos sacrifícios patrimoniais decorrentes de servidões. Essas previsões específicas não impedem o recurso a dispositivos mais genéricos de tutela, desde que estejam reunidos os pressupostos por estes fixados e nos encontremos fora do campo aplicativo daquelas previsões. Como vimos, é este o papel que parte significativa da doutrina reserva para o artigo 16.º do RRCEE, como “norma de recepção” ( Auffangsnorm ) das situações merecedoras de indemnização não especialmente reguladas, ou, por outras palavras, como cláusula geral «de salvaguarda para cobrir aquele “resto” de actu- ações causadoras de danos que, num Estado de direito, não podem deixar de dar lugar ao pagamento de indemnização» (Maria da Glória Garcia, ob. loc. cit .). Se a indemnização pelo sacrifício tem uma causa e um âmbito genéricos, não sendo restrita à afectação do direito de propriedade, também a abarca, quando não é operativa a garantia específica de que este direito goza. Se não se limita a esse campo operativo, também não o exclui. Sendo assim, não é forçoso o alargamento do conceito de expropriação – “indesejável” para Gomes Cano- tilho (Anotação, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, 128.º, p. 52) −, com aplicação do regime garantís- tico que lhe cabe, para assegurar uma compensação devida à luz do princípio da igual repartição dos encargos públicos. O reconhecimento de que certas formas de restrição do direito de propriedade representam um sacrifício indemnizável relativiza, consagrando um tertium genus , “a tradicional dicotomia (…) entre vinculação social sem indemnização e expropriação geradora de indemnização” (Gomes Canotilho, ob. cit ., p. 51). E, não estando em causa danos análogos aos da expropriação, não se afigura desrazoável exigir ao inte- ressado a demonstração do carácter especial e anormal dos prejuízos, como condição da sua ressarcibilidade.

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