TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
345 acórdão n.º 525/11 11. Ainda no plano infraconstitucional, suscita também problemas a colocação sistemática mais ade- quada do dever de indemnização por parte da Administração. Problemas que são agravados pelo facto de não existir um regime indemnizatório comum (atenta a referida dispersão de regimes), bem como pelo facto de os critérios fixados no n.º 2 do artigo 8.º não serem os únicos aplicáveis para identificar as servidões que dão direito a compensação. De facto, a par das três situações aí enunciadas, existem casos particulares em que a lei prevê expres- samente o direito a indemnização pela constituição de determinada servidão e indica o critério de cálculo do quantum indemnizatório e casos em que prevê, como forma de indemnização, a possibilidade de o pro- prietário requerer a expropriação do prédio onerado com a servidão (por exemplo, nos casos de servidão non aedificandi incluída em zona especial de protecção de imóveis classificados como bens culturais – artigo 50.º, n. os 1, alínea c ), e 2, da Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro; ou integradas em zonas de protecção das captações de águas – artigo 7.º, n. os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 382/99, de 22 de Setembro, e artigo 37.º, n.º 5, da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro). Por outro lado, a solução hoje consagrada no artigo 16.º do Regime da Responsabilidade Civil Extra- contratual do Estado e Demais Entidades Públicas (adiante RRCEE), aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho, contempla, em capítulo autónomo, separado das previsões de responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa, da função jurisdicional, e da função político-legislativa, a chamada “indemnização pelo sacrifício”. Reza assim a citada norma: «O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indem- nização, atender-se, designadamente, ao grau de afectação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado». Este tratamento sistemático, dentro do corpo legislativo do RRCEE, parece ir ao encontro de várias vozes que, na doutrina nacional, autonomizam o mecanismo da compensação pelo sacrifício do instituto da responsabilidade civil (assim João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo , 10.ª edição, Âncora Editores, pp. 342-343; Carla Amado Gomes, ob. cit. ; Marcelo Rebelo de Sousa/ André Salgado de Matos, Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo Geral , III, Dom Quixote, 2008, p. 57). Numa perspectiva mais tradicional, a indemnização pelo sacrifício é reconduzida ao instituto da responsabilidade, na modalidade de responsabilidade civil por actos lícitos (assim Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo , II, 2.ª edição, Almedina, 2011, p. 743; e, embora expressando dúvidas, J. J. Gomes Cano- tilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, 2003, p. 508, que “propende” para incluir a responsabilidade da administração por actos lícitos no âmbito de protecção do artigo 22.º da Constituição). Contrariando uma interpretação severamente restritiva já proposta (cfr. Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Responsabilidade…, cit. , p. 59, que limitam o campo de aplicação do artigo 16.º à “respon- sabilidade civil pelo sacrifício de bens pessoais”), não parece existir objecção de princípio a que o preceito, da- dos a sua localização sistemática e os termos amplos em que vêm formulados os seus pressupostos aplicativos, constitua suporte normativo adequado de «pretensões indemnizatórias pelo sacrifício de direitos patrimoniais privados» que não caibam noutras previsões legais, de fundamento e/ou recorte mais específico (como a que está subjacente ao caso em apreço). Parece dominante, na verdade, a concepção doutrinal que só exclui do regime da indemnização pelo sacrifício “as situações que se encontram especialmente reguladas na lei”, como é o caso da requisição e da expropriação, que têm fundamento constitucional próprio, no princípio do pagamento da justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2, da CRP), e regime indemnizatório fixado no Código das Expropriações, regime extensivo à constituição das servidões administrativas previstas no artigo 8.º deste Código (Fernandes Cadilha, Regime
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=