TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL administrativas legalmente consagradas. Da mesma forma, existem vários tipos de servidão non aedificandi , com regimes legais específicos (para além das servidões non aedificandi previstas na legislação sobre as estra- das e auto-estradas, vejam-se, entre outras, as servidões das linhas férreas, as servidões de uso público sobre parcelas privadas de leitos e margens de águas públicas, as servidões militares, as aeronáuticas ou as incluídas em zonas especiais de protecção de imóveis classificados). Embora a doutrina tenda a autonomizá-la, a figura da servidão administrativa é difícil de distinguir de certas figuras afins. Designadamente, a servidão administrativa está próxima das denominadas “restrições de utilidade pública” que também abrangem proibições, limitações e condicionamentos à ocupação, uso e transformação do solo (incluindo a construção), por motivos de interesse público, decorrentes de normas urbanísticas ( v. g. , as resultantes do regime da Reserva Agrícola Nacional ou da Reserva Ecológica Nacional). Ambas traduzem limitações impostas sobre um prédio com vista à satisfação de interesses públicos, mas o elemento distin tivo pode encontrar-se na existência de um praedium dominans do lado activo da relação de servidão, sendo essa necessária relação entre fundos o mínimo denominador comum entre servidões de interesse público e servidões de direito privado (neste sentido, Bernardo Azevedo, Servidão de Direito Público, Contributo para o seu estudo , Coimbra Editora, 2005, pp. 75 e segs., em especial, pp. 85-90). Não sendo fácil distinguir «onde acaba a mera delimitação da densidade do direito de propriedade e começa a subtracção de faculda- des ao titular do prédio serviente com o correspectivo ingresso na esfera de gozo do proprietário do fundo dominante» ( idem , p. 88), há quem também aponte como nota distintiva o facto de, ao contrário das restri- ções de utilidade pública, a servidão administrativa dar “forçosamente lugar a uma indemnização” ( ibidem , pp. 89-90 e doutrina estrangeira citada em n.º 52). Outra fronteira difícil de traçar é entre servidão administrativa e expropriaçãopor utilidade pública. Alguns autores adoptam uma concepção ampla de expropriação, de inspiração alemã, nela incluindo a “expropriação clássica”, traduzida no acto de autoridade que visa a aquisição e transferência da propriedade, e a “expropria- ção de sacrifício” ou “substancial”, consubstanciada na destruição ou afectação essencial de uma posição jurí- dica garantida como propriedade pela Constituição, ou seja, numa modificação especial e grave na utilitas do direito de propriedade, na qual incluem as servidões administrativas que dão lugar a indemnização e as deno- minadas “expropriações do plano”, de que são exemplo as previstas nos artigos 18.º da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (LBPOTU) e 143.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) (vide Alves Correia, ob. cit. , pp. 157-159, e Fernanda Paula Oliveira, «As medidas preventivas dos planos municipais de ordenamento do território – alguns aspectos do seu regime jurídi- co», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , Studia Iuridica , 32, Coimbra Editora, p. 216 e segs.). Nas palavras de Maria Lúcia Amaral, «o conceito constitucional de expropriação vale para todos os sacrifícios patrimoniais privados que sejam graves e especiais, quer eles se traduzam em alterações quanto à titularidade de um direito ou quer impliquem meras restrições ao seu exercício» ( Responsabilidade do Estado e Dever de Indemnizar do Legislador , Coimbra Editora, 1998, p. 576). Em sentido contrário, outros autores apelam à utilidade do conceito próprio (restrito) de expropria- ção, mesmo no plano constitucional (Oliveira Ascensão, “A jurisprudência constitucional portuguesa sobre propriedade privada”, in XXV Anos de Jurisprudência Constitucional Portuguesa , Coimbra Editora, 2009, pp. 397-417, 415), e pugnam por uma concepção de expropriação que consiste na «eliminação de um objec- to do direito fundamental de propriedade e não na restrição deste último» (Miguel Nogueira Brito, A Justifi- cação da Propriedade Privada numa Democracia Constitucional , Almedina, 2007, pp. 993 e segs., em especial, pp. 1016 e segs.). Defendendo o conceito de servidão administrativa como «um aliud e não apenas um minus em relação à expropriação por utilidade pública», há quem chame a atenção para a necessidade de criar um espaço próprio destinado a integrar os institutos, como a servidão, que se intercalam entre a expropriação de sacrifício (aqui entendidas como intervenções que reduzem o direito de propriedade a um nudum ius ) e as limitações sociais ao direito de propriedade (Bernardo Azevedo, ob. cit. , pp. 34-35).
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