TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
334 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A recorrente defende que esta interpretação viola os princípios contidos nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n. os 1 e 2, 20.º, n. os 1, 4 e 5, 32.º, n.º 2, 202.º, n. os 1 e 2, e 204.º da Constituição, ao exigir que uma pessoa seja sujeita a um julgamento quando, à partida, o próprio tribunal que a vai julgar entende que os factos constantes da acusação e do despacho de pronúncia não podem, ainda que todos verdadeiros e provados, conduzir à condenação. Para a recorrente, obrigar uma pessoa, considerada à partida inocente pelo tribunal, a enfrentar um julgamento, a sentar-se no banco dos arguidos, e a manter-se sujeita a medidas de coacção, única e exclusivamente pela simples necessidade de respeitar alegadas regras processuais, contraria, de forma desproporcionada ao interesse que visa proteger, princípios constitucionais como o do respeito pela dignida- de da pessoa humana, a ideia de justiça inerente a um Estado de direito democrático, o direito a um processo equitativo, o princípio da presunção de inocência e a atribuição da função jurisdicional aos tribunais. Se as considerações efectuadas pela recorrente nas suas alegações, numa leitura imediata, impressionam, após uma reflexão mais atenta verifica-se que elas partem duma perspectiva errada quanto ao ponto de inci- dência do critério normativo sustentado pela decisão recorrida e que é objecto do presente recurso. A proibição contida na norma sindicada não tem como alvo a decisão de não prosseguir com o julga- mento, determinando-se desde logo a extinção do procedimento criminal, mas sim o juízo ponderativo que a precede e fundamenta. Não se proíbe que o juiz do julgamento determine a extinção do procedimento criminal, não prosse- guindo a audiência de julgamento, quando ainda em fase introdutória tenha ajuízado que os factos cons- tantes do despacho de pronúncia não tem relevância criminal; o que se proíbe é que o juiz de julgamento, nessa fase, possa sequer efectuar uma tal avaliação, devendo apenas decidir pela condenação ou absolvição do réu, após realizada a produção de prova e alegações, e fixados os factos que se provaram na audiência de julgamento. Esta limitação dos poderes do juiz de julgamento tem como fundamento um reconhecimento da auto- ridade do caso julgado formal. Tendo já sido decidido pelo juiz de instrução criminal, por decisão transitada em julgado proferida nesse processo, que o arguido deve ser submetido a julgamento pelos factos constantes do despacho de pronúncia, entende-se que o juiz do julgamento não pode reponderar a relevância criminal dos factos imputados ao arguido, com a finalidade de emitir um segundo juízo sobre a necessidade de reali- zação da audiência de julgamento. A autoridade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais, transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insusceptíveis de serem modificadas na mesma instância, tem como fundamento a discipli- na da tramitação processual. Seria caótico e dificilmente atingiria os seus objectivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo sempre uma reapreciação pelo mesmo tribunal, nomeadamente quando, pelos mais variados motivos, se verificasse uma alteração do juiz titular do processo. O recorrente alega que esta proibição viola os princípios constitucionais do respeito pela dignidade da pessoa humana, a ideia de justiça inerente a um Estado de direito democrático, o direito a um processo equitativo, o princípio da presunção de inocência, e a atribuição da função jurisdicional aos tribunais, sendo desproporcionada relativamente aos fins que visa alcançar. Os princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça são fundantes das regras constitucionais em matéria processual penal, podendo assumir uma importante função clarificadora na definição dos respectivos direitos constitucionais, mas só na ausência de direitos fundamentais específicos sobre a temática em causa devem fundamentar exclusivamente um juízo de inconstitucionalidade. No domínio dos direitos constitucionais com incidência processual, o recorrente alega a violação do princípio da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição) e do processo equitativo (artigo 20.º da Constituição). Ambos os direitos têm um conteúdo muito amplo, exigindo que o processo penal assegure todas as garantias práticas de defesa do arguido e o seu tratamento como inocente. Ora, estando assegurada a possibilidade do arguido requerer a comprovação jurisdicional da necessida- de da sua sujeição a um julgamento, para satisfação desses princípios é dispensável, quando essa apreciação
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