TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
332 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL «Em síntese conclusiva, estabilizada a instância, no início da audiência de julgamento, o juiz não pode retomar a questão do mérito da acusação a partir do seu texto e, contrariando o despacho de recebimento da acusação e designação de dia para julgamento, decidir do mérito da causa com o fundamento de que os factos narrados na referida acusação não integram a prática de qualquer crime; só após a produção da prova e a produção das alegações orais em audiência de julgamento se pode apreciar o (in)fundado da acusação (no caso, confirmada pela pronún- cia), através da análise do seu mérito.» O facto da redacção do critério normativo enunciado pela recorrente no requerimento de interposição de recurso não referir que a instrução culminou em despacho de pronúncia e que o despacho proibido é aquele que é proferido na fase introdutória da audiência de julgamento, não impede que se considere que o mesmo coincide com o que foi adoptado pela decisão recorrida, uma vez que estamos perante simples pre- cisões de aproximação ao caso concreto, implícitas na enunciação efectuada pela recorrente, sem qualquer influência no conteúdo normativo essencial do critério questionado. Assim, também não existem razões para que se não conheça do mérito do recurso por este não integrar a ratio decidendi do acórdão recorrido. Não se verificando qualquer outro obstáculo que impeça a apreciação do mérito do recurso, deve o mesmo ser conhecido, tendo por objecto o seguinte critério normativo, já aditado das referidas explicitações e necessárias precisões: – o artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com o disposto nos artigos 286.º, 288.º, 308.º, 310.º, n.º 1, 311.º e 313.º, n.º 4, do mesmo Código, quanto interpretadas tais disposições legais no sentido de que, tendo sido proferido despacho de pronúncia, na sequência de instrução, seguido de despacho emitido ao abrigo do artigo 311.º do Código de Processo Penal, está vedado ao Tribunal Colectivo, na fase introdutória da audiência de julgamento, declarar extinto o procedimento criminal e, em consequência, determinar o arquivamento dos autos, por falta de rele- vância criminal dos factos imputados aos arguidos. 2. Do mérito do recurso Para que o Tribunal se pronuncie cabalmente sobre esta questão de constitucionalidade, impõe-se uma breve excursão pela tramitação processual penal e a inserção sistemática da norma em apreço, apreciação a que não pode alhear-se a caracterização, ainda que sucinta, da respectiva estrutura processual. É pacífico o entendimento de que o processo penal português tem uma estrutura acusatória que implica, além do mais, o controlo judicial da acusação, e a proibição de acumulação orgânica na instrução e julga mento, isto é, o órgão que faz a instrução não pode fazer a audiência de discussão e julgamento e vice- -versa (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, p. 522, da 4.ª edição, da Coimbra Editora). O fundamento desta clara repartição de funções entre as diversas entidades que intervém no processo assegura, por um lado, as garantias de defesa do arguido e, por outro, a liberdade de convicção, a imparcialidade e a objectividade da decisão proferida pelo órgão chamado a decidir em cada face processual, permitindo-se ao arguido exercer um controlo jurisdicional das decisões que lhe sejam desfavoráveis. A lei reconhece ao arguido o direito de, uma vez deduzida acusação contra si, requerer a abertura da instrução, fase processual facultativa e que visa a comprovação, pelo juiz de instrução, da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não o arguido a julgamento (artigo 286.º, do Código de Processo Penal). O controlo judicial da decisão de acusação alcança-se, pois, através da abertura da instrução, matéria em que o arguido é soberano quanto à decisão de a requerer ou não, consoante a estratégia processual que considere mais adequada para defesa dos seus direitos e interesses legítimos. Quando requerida pelo arguido, a instrução é uma fase do processo penal que ocorre entre o inquérito e o julgamento, na qual um juiz verifica os pressupostos jurídico-factuais da acusação, decidindo se a causa
Made with FlippingBook
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=