TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

330 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (xv) Na verdade, todas as entidades públicas e privadas e, por maioria de razão, os tribunais, estão obrigadas a res- peitar e fazer respeitar a Constituição da República Portuguesa. (xvi) Para que se verifique esse respeito é essencial, para além do mais, que não se pratiquem actos limitativos dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos sem que essa limitação seja justificada pela necessidade de respeitar outros direitos fundamentais. (xvii) Em suma, é essencial que se verifique uma relação de proporcionalidade entre a limitação e o ganho que se atinge com essa limitação. (xviii) Sucede, porém, que o artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (em conjugação com as demais normas já mencionadas), interpretado como o foi pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola os direitos fundamentais dos cidadãos sem que, com isso, se garanta qualquer vantagem para o sistema de justiça ou para a sociedade em geral. (xix) Na verdade, a eventual vantagem que se poderia retirar da proibição de o tribunal determinar o fim de um pro- cesso crime ao abrigo do artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e que se baseia em simples questões processuais, não é justificativa, e muito menos proporcional, da violação que a mesma solução consagra dos direitos fundamentais dos cidadãos, não se antevendo também que a mesma proibição possa ser adequada ou necessária à realização da justiça penal. (xx) Em quarto lugar, aquela norma processual penal é também violadora do artigo 20.º, n. os 1, 4 e 5, da Constitui- ção da República Portuguesa, na medida em que não existe um verdadeiro acesso ao direito e uma verdadeira garantia de tutela jurisdicional efectiva quando se determina que um tribunal deve continuar um julgamento de pessoas que considere não terem praticado qualquer crime. (xxi) Isto porque, por um lado, se está a obrigar um tribunal a perder o seu tempo com um julgamento inútil, e, por outro lado, se está a determinar que a justiça formal deva prevalecer em relação à justiça material, utilizando-se simples obstáculos procedimentais para evitar uma resposta célere, definitiva e justa à pretensão dos cidadãos. (xxii) Pretensão essa que passa pelo direito de ver arquivado um processo crime contra si movido, quando do mesmo não possa resultar a sua condenação. (xxiii) Em quinto lugar, viola igualmente o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. (xxiv) O princípio agora enunciado determina que um tribunal deve absolver um cidadão sempre que tenha dúvidas de que o mesmo tenha praticado um crime. Tal significa que, por maioria de razão, tem o tribunal a obrigação de determinar a extinção de um procedimento criminal sempre que tenha a certeza de que o arguido não pra- ticou um crime. (xxv) Sendo certo que, para além do mais, este princípio obriga ainda o tribunal a tomar esta decisão logo que da mesma estiver convicto, pois é inadmissível a manutenção de um julgamento e de um processo crime, com todos os prejuízos daí resultantes para os cidadãos, quando do mesmo não possa resultar a prática de um crime. (xxvi) Finalmente, o artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, quando em conjugação com os demais artigos já citados, interpretado como o foi pelo Tribunal da Relação de Lisboa, viola a função jurisdicional que com- pete aos tribunais (artigo 202.º, n. os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa), pois não só retiraria o poder de decisão ao tribunal de julgamento, numa fase processual de que é o único e exclusivo titular, como também porque impediria que o tribunal adoptasse, obrigado que está a proteger os cidadãos e a sociedade, as medidas necessárias a essa protecção. (xxvii) Ora, não existirá (antes pelo contrário) qualquer protecção quer dos cidadãos, quer da sociedade em geral, quando um tribunal, convicto e consciente da inocência dos arguidos no início do julgamento, ainda assim seja obrigado a sujeitá-los a toda essa fase processual, com todos os prejuízos daí decorrentes. (xxviii) Deste modo, o artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com as demais normas pro- cessuais penais já mencionadas, apenas corresponde à concretização dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 1., 2.º, 18.º n. os 1 e 2, 20.º, n. os 1, 4 e 5, 32.º, n.º 2, 202.º, n. os 1 e 2, e 204.º da Constituição da Repú­ blica Portuguesa, quando interpretado no sentido de, mesmo tendo havido Instrução e despacho proferido

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=