TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
33 acórdão n.º 396/11 do n.º 1 do artigo 59.º], fixa-se como incumbência do Estado “o estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional” [alínea a ) do n.º 2 do mesmo artigo], acrescentando-se, na revisão de 1997, a imposição constitucional de “garantias especiais dos salários” (n.º 3 do artigo 59.º). Não é de crer que o programa cons- titucional, tão exaustivamente delineado, nesta matéria, só fique integralmente preenchido com a atribuição da natureza de direito fundamental legal ao direito à irredutibilidade da retribuição, qualificação para a qual não se descortina fundamento material bastante. Direito fundamental, esse sim, é o “direito à retribuição”, e direito de natureza análoga aos direitos liber dades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 620/07). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico- -financeiras que concretamente o condicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida no âmbito de protecção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remuneratório traduza uma afectação ou restrição desse direito. Inexistindo qualquer regra, com valor constitucional, de directa proibição da diminuição das remune- rações e não sendo essa garantia inferível do direito fundamental à retribuição, é de concluir que só por pa- râmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções normativas em causa. Tem sido essa, aliás, a orientação constante deste Tribunal, sempre que chamado a julgar questões atinentes, directa ou indirectamente, a reduções remuneratórias. Foi assim no Acórdão n.º 303/90, sobre vencimentos dos ex-regentes escolares, no Acórdão n.º 786/96, sobre alterações ao Estatuto dos Militares das Forças Armadas, com repercussão no subsídio da condição militar, e no Acórdão n.º 141/02, referente à fixa- ção de limites de vencimentos a funcionários em funções em órgãos de soberania, a membros dos gabinetes de órgãos de soberania, a funcionários dos grupos parlamentares e a funcionários das entidades e organismos que funcionam juntos dos órgãos de soberania, a qual importou uma efectiva e significativa redução dos vencimentos auferidos por esses sujeitos. Independentemente do sentido das pronúncias, foi exclusivamente à luz do conteúdo normativo desses princípios que elas foram emitidas. Não estando em causa a afectação do direito a um mínimo salarial, uma vez que a redução remunera- tória apenas abrange retribuições superiores a 3 1500, valor muito superior ao do salário mínimo nacional, a irredutibilidade apenas poderá resultar do respeito pelo princípio da protecção da confiança e porventura, ainda, do princípio da igualdade. É a eventual violação dos princípios da confiança e da igualdade, também invocada pelos requerentes, que, de seguida, analisaremos. 8. Princípio da protecção da confiança Os requerentes alegam que terá havido uma violação do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito, tal como surge plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portu- guesa (CRP). Sustentam que a medida não tem justificação material suficiente e que a redução é arbitrária “porque, sendo permanente, ela assenta num pressuposto que é temporário, que é o pressuposto da crise económico-financeira que grassa no país”. Já vimos que a redução remuneratória tem natureza orçamental não sendo, por isso, definitiva. Ainda assim, poderá questionar-se se não violará o princípio da protecção da confiança. A protecção da confiança traduz a incidência subjectiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em concepção consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP). A aplicação do princípio da confiança deve partir de uma definição rigorosa dos requisitos cumulativos a que deve obedecer a situação de confiança, para ser digna de tutela. Dados por verificados esses requisi- tos, há que proceder a um balanceamento ou ponderação entre os interesses particulares desfavoravelmente
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