TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

329 acórdão n.º 520/11 Apresentou alegações, com as seguintes conclusões: « (i) O presente Recurso encontra-se delimitado no seu objecto pela interpretação normativa dada peloTribunal a quo ao artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo penal, em conjugação com os artigos 286.º, 288.º, 308.º, 310.º, n.º 1, 311.º e 313.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, interpretação normativa essa que enferma de inconstitucionalidade. (ii) A norma referida no ponto anterior, na interpretação que nesta sede se questiona, foi chamada a integrar a ratio decidendi da decisão a quo, razão pela qual as inconstitucionalidades suscitadas no Requerimento de Interposi- ção de Recurso deverão ser conhecidas por este Tribunal. (iii) Por violação dos princípios constitucionais vertidos nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n. os 1 e 2, 20.º, n. os 1, 4 e 5, 32.º, n.º 2, 202.º, n. os 1 e 2, e 204.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa assumida pelo Tribunal da Relação de Lisboa segundo a qual, tendo havido Instrução e tendo sido proferido despacho ao abrigo do artigo 311.º do Código de Processo Penal, está vedado ao tribunal declarar extinto o procedimento criminal por falta de objecto e, em consequência, determinar o arquivamento dos autos por falta de relevân- cia criminal dos factos imputados aos arguidos, determina a inconstitucionalidade do artigo 338.º, n.º 1, do Códigode Processo Penal conjugado com as demais normas processuais penais acima mencionadas. (iv) Na verdade, tal interpretação não acautela as finalidades básicas de um Estado de direito e de um sistema judi- ciário cujo fim último é a Justiça. (v) De facto, é inadmissível e impensável exigir que uma pessoa seja sujeita a um julgamento quando, à partida, o próprio tribunal que a vai julgar entenda que os factos constantes da acusação (e neste caso acolhidos também pela Decisão Instrutória) não podem, ainda que todos verdadeiros e provados, conduzir à condenação. (vi) Não se está aqui a falar de um tribunal que entenda ser mais plausível a versão da defesa em detrimento da versão da acusação. Não. De que se fala aqui é de um tribunal que da simples análise da acusação entenda não existirem factos que correspondam ao tipo criminal imputado aos arguidos. (vii) Neste cenário, que é claro, não é possível conceber uma solução jurídica conforme à Constituição da República Portuguesa, como a defendida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que consista na primazia das regras processuais em detrimento dos princípios constitucionais por que se rege o nosso Estado e, em última análise, a Justiça. (viii) O artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado como o foi pelo Tribunal da Relação de Lis- boa, impediria que um tribunal pudesse pôr fim a um processo-crime contra uma pessoa inocente. (ix) Quer isto dizer que aquela pessoa, considerada inocente pelo tribunal, se veria obrigada a enfrentar um julga­ mento, a sentar-se no banco dos arguidos, a submeter-se a medidas de coacção (eventualmente a manter-se preso), etc., única e exclusivamente pela simples necessidade de respeitar alegadas regras processuais (como se estas fossem cegas ao sistema em que se encontram inseridas). (x) Assim sendo, o artigo 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com as demais normas proces- suais, quando assim interpretado, não respeita o artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, não respeita o princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio este que consagra a prioridade da pessoa humana em relação aos demais fins da nossa sociedade (sejam eles económicos, sociais ou outros). (xi) Isto é, verifica-se a violação deste princípio quando, por exemplo, as regras processuais proíbem a libertação imediata daquele que não é criminoso, levando a que esse cidadão veja comprimida a sua dignidade quer enquantoser individual, quer enquanto ser integrado em sociedade. (xii) Em segundo lugar, aquela norma processual assim interpretada não respeita o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, o Estado de direito democrático. (xiii) E não respeita, pois num Estado de direito democrático exige-se o respeito pelos direitos fundamentais e a existência de um sistema orientado para a Justiça, o que não sucede quando, por meras questões formais, se limita a liberdade dos cidadãos, nomeadamente sujeitando-os a um julgamento sem objecto, isto é, sem que do mesmo possa resultar qualquer condenação. (xiv) Em terceiro lugar, a norma processual referida também não respeita o artigo 18.º, n. os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

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