TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
311 acórdão n.º 481/11 que sucedeu em casos similares, em que o seu juízo incidiu sobre normas constantes dos artigos 358.º e 359.º do CPP (por exemplo: Acórdãos n. os 173/92, 279/95, 16/97, 445/97, 674/99 e 72/05, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) , a questão que o ocupará será somente a de saber se a interpretação que a decisão recorrida fez – através da norma do caso – daqueles dispositivos legais lesou ou não as garantias de processo criminal consagradas no artigo 32.º da CRP. É que, tal como se disse no Acórdão n.º 173/92, é claro que da Constituição decorre que, em processo criminal, nenhuma questão pode ser apresentada ao tribunal para julgamento sem que tenha sido previa- mente delimitado o seu objecto num documento (a acusação, ou requerimento acusatório) que indique os factos de que o arguido é acusado e qual o seu enquadramento jurídico-penal (…), pois que, como a acu- sação fixa o objecto do processo, o julgamento incide sobre a matéria da acusação, não podendo o tribunal, por sua iniciativa, ou por iniciativa da parte acusadora, apreciar questões diversas das descritas na acusação, julgar um arguido por factos que foram atribuídos a outro, nem muito menos julgar pessoas nela não indica- das. Uma norma legal que o permitisse violaria este [o constante do n.º 5 do artigo 32.º da CRP] princípio constitucional. Da Constituição decorre ainda – disse-se também no referido Acórdão – um processo penal legislati- vamente orientado pelas referências de um due process of law , processo esse que não deve incluir normas ou procedimentos aplicativos delas que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido. É pois, à luz desta doutrina que cabe decidir quanto ao caso em apreço: o facto de nele estar em causa uma invocada “alteração da qualificação jurídica dos factos” que terá ocorrido, não entre a acusação e a con- denação, mas entre o julgamento em 1.ª instância e a decisão de recurso, em nada altera a aplicabilidade da referida doutrina. Estão em juízo as consequências que, para a conformação do direito ordinário, decorrem de princípios fundamentais em processo criminal, como os relativos ao direito de defesa do arguido e à estru- tura acusatória do processo. Princípios esses que, sendo embora fundantes das opções básicas que estruturam a ordem processual penal (enquanto “direito constitucional concretizado”), não deixam – como sucede com quaisquer outros princípios constitucionais – que ter que conviver praticamente com outros, como os respei- tantes à legalidade da acção penal, da prossecução da verdade material ou da devida celeridade do processo. 6. Assim, tem entendido a jurisprudência constitucional relativa à aplicação das normas contidas nos artigos 358.º e 359.º do CPP (para o caso, interessa sobretudo aquela especialmente incidente sobre o n.º 3 do artigo 358.º) que não é uma qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos que, a ser invo- cada, pode justificar o juízo de inconstitucionalidade sobre a “norma do caso”. Decorre dessa jurisprudência, atrás citada, que esse juízo, a ser proferido, assenta sobre dois pressupostos fundamentais, constantes aliás da fórmula da decisão proferida, com força obrigatória geral, no Acórdão n.º 445/97: primeiro, o de que a diferente qualificação jurídica dos factos (a ocorrer), tenha conduzido a uma agravação da condição jurídico- -penal do arguido; segundo, o de que, tendo sido este último desprevenidamente confrontado com essa alteração, não pudesse orientar quanto a ela a sua estratégia de defesa. Nenhum desses pressupostos se verifica no caso concreto. Antes do mais, e como já se viu, não se verifica o primeiro. Qualquer que seja a natureza do diverso “enquadramento” feito pelo Tribunal da Relação quando diz, no acórdão de 25 de Março de 2009 – e confir- mado depois pelo acórdão de 8 de Julho – “[d]amos, assim, por preenchidos todos os pressupostos do crime de Burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal. Relativamente à decisão recorrida, há apenas a realçar o diferente enquadramento por nós seguido no que toca à identificação das vítimas que são também os prejudicados directos da actuação do recorrente: os clientes-depositantes [mas não o Banco]”, a verdade é que esta alteração não importou agravamento, mas melhoria, da condição jurídico-penal do arguido (que viu a sua pena de prisão baixar de seis para cinco anos). Por outro lado, não pode afirmar-se que este diverso “enquadramento” tenha sido para o arguido de tal modo surpreendente que o inibisse de uma adequada estratégia de defesa.
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