TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

291 acórdão n.º 461/11 estamos perante contra-ordenações, constitutivas de um ilícito de mera ordenação social.” [cfr. J. de Figueiredo Dias, “Omovimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in Jornadas de Direito Criminal , Centro de Estudos Judiciários (CEJ), 1983, p. 323]. A autonomia do direito das contra-ordenações assentaria, desta forma, numa ideia de neutralidade ética da conduta que integra o ilícito, que apenas na associação com a proibição legal passaria a constituir um substrato idóneo de desvalor ético-social (J. Figueiredo Dias, op. cit . pp. 327, 328). Em certos casos, porém, o critério qualitativo de distinção é complementado por critérios quantitativos, reportados à gravidade da infracção, considerando-se que a ultrapassagem de determinado limiar de danosi- dade determinará a natureza da reacção do Estado: penal ou contra-ordenacional. O conceito de culpa, no âmbito contra-ordenacional, também se distingue da censura ética “dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna” – característica do direito penal – consubstanciando-se antes numa “imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitó- rias da coima.” A sanção principal, no âmbito contra-ordenacional, – coima – assume um carácter patrimonial, repre- sentando uma mera “admonição” ou “especial advertência”, conducente à observância de certas proibições ou imposições legislativas e destinada a garantir a preservação da ordenação social estabelecida. Em função destas diferenças de características, o direito de mera ordenação social corresponde, em primeira linha, a um domínio de actuação das autoridades administrativas, não sendo forçosa a intervenção judicial, reservada à fase – facultativa – de “recurso” ou de impugnação (J. Figueiredo Dias, op. cit . pp. 331 a 335). Ora, nos termos do artigo 42.º da Lei n.º 18/2003, as infracções às normas reguladoras da concorrência, definidas no aludido diploma, constituem contra-ordenação. Tal opção legislativa – cuja constitucionalidade não é colocada em causa, no presente recurso –, deter- minando uma menor potencialidade lesiva da reacção estadual à infracção, legitima uma compreensão do estatuto garantístico da defesa menos exigente do que aquele que caracteriza o domínio criminal. 13. Neste contexto distintivo do direito de mera ordenação social, justifica-se que o conteúdo potencial máximo do direito à não auto-incriminação sofra significativa compressão, face à consagração de deveres de colaboração impendentes sobre as entidades sujeitas ao regime da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho. Tais deveres funcionam como uma contrapartida pelo exercício de actividades económicas sujeitas a regulação. Utilizando a síntese de P. Sousa Mendes, poderemos dizer que “se partirmos do princípio que as activi- dades económicas ligadas ao exercício do direito de iniciativa privada (artigo 61.º da CRP) não são absolu- tamente livres, mas estão sujeitas a restrições e condicionamentos que resultam da necessidade de protecção do interesse público em geral e dos interesses de terceiros em particular, bem se compreende que o legislador possa exigir dos particulares que queiram desenvolver tais actividades a máxima lealdade para com o Estado, especialmente quando estiverem defronte das autoridades reguladoras competentes, o que implicará que tenham um dever geral de colaborar com essas autoridades, nos termos legalmente impostos.” (P. de Sousa Mendes, “O procedimento sancionatório especial por infracções às regras de concorrência”, in Regulação em Portugal: Novos tempos, novo modelo?, Almedina, Coimbra, 2007, p. 717). 14 . A obrigação de prestar informações e entregar documentos, à Autoridade da Concorrência, como entidade reguladora – fortalecida pela cominação de coima – surge como condição de eficácia da efectiva salvaguarda do princípio da concorrência – constitucionalmente protegido, designadamente em decorrência da alínea f ) do artigo 81.º da Lei Fundamental, como já vimos – num domínio em que a colaboração dos agentes económicos se torna fundamental para a fiscalização, verificação e sancionamento da existência de comportamentos infraccionais.

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