TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
290 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL audição) e possa defender‑se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constitui ção Portuguesa Anotada , tomo I, Coimbra, 2005, p. 363). É esse o limitado alcance da norma do n.º 10 do artigo 32.º da CRP, tendo sido rejeitada, no âmbito da revisão constitucional de 1997, uma proposta no sentido de se consagrar o asseguramento ao arguido, “nos processos disciplinares e demais processos sancionatórios”, de “todas as garantias do processo criminal” (artigo 32.º‑B do Projecto de Revisão Constitucional n.º 4/VII, do PCP; cfr. o correspondente debate no Diário da Assembleia da República , II Série‑RC, n.º 20, de 12 de Setembro de 1996, pp. 541‑544, e I Série, n.º 95, de 17 de Julho de 1997, pp. 3412 e 3466). É óbvio que não se limitam aos direitos de audição e defesa as garantias dos arguidos em processos sanciona- tórios, mas é noutros preceitos constitucionais, que não no n.º 10 do artigo 32.º, que eles encontram esteio. É o caso, desde logo, do direito de impugnação perante os tribunais das decisões sancionatórias em causa, direito que se funda, em geral, no artigo 20.º, n.º 1, e, especificamente para as decisões administrativas, no artigo 268.º, n.º 4, da CRP. E, entrados esses processos na “fase jurisdicional”, na sequência da impugnação perante os tribunais dessas decisões, gozam os mesmos das genéricas garantias constitucionais dos processos judiciais, quer directamente refe- ridas naquele artigo 20.º (direito a decisão em prazo razoável e garantia de processo equitativo), quer dimanados do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP), (…) (…) Dentre os processos sancionatórios é o processo contra‑ordenacional um dos que mais se aproxima, atenta a natureza do ilícito em causa, do processo penal, embora a este não possa ser equiparado. Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não aplicabilidade directa e global aos processos contra‑ordenacionais dos princípios constitucionais próprios do processo criminal (…) (…) A diferença de “princípios jurídico‑constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a legislação penal e a legislação das contra‑ordenações” reflecte‑se “no regime processual próprio de cada um desses ilícitos”, não exigindo “um automático paralelismo com os institutos e regimes próprios do processo penal (…)”. No entanto, este Tribunal também tem sublinhado que a reconhecida inexigibilidade de estrita equiparação entre processo contra‑ordenacional e processo criminal é conciliável com “a necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contra‑ordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conforma ção mais aberto do que aquele que lhe caberá em matéria de processo penal” (Acórdãos n. os 469/97 e 278/99).» 12. Não obstante ser difícil traçar uma fronteira absoluta entre a natureza das infracções criminais e contra-ordenacionais, a ponto de apenas se poder afirmar, indubitavelmente, que “constitui contra-ordena- ção todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 433/82), tal não significa que o âmbito de liberdade do legislador ordinário, quanto à decisão de reprimir determinadas condutas com os mecanismos sancionatórios penais ou apenas intervir com sanções de carácter ordenativo, não seja constitucionalmente vinculado e dependente, no limite, duma distinção substantiva entre os dois ilícitos. De acordo com Figueiredo Dias, “a ordem axiológica jurídico-constitucional constitui o quadro de referência e, simultaneamente, o critério regulativo e delimitativo do âmbito de uma aceitável e necessária actividade punitiva do Estado.” Assim, só é legítima a intervenção do direito penal, quando se verifiquem os seguintes requisitos: este- jam em causa condutas que “violem bens jurídicos claramente individualizáveis”; tais condutas não possam ser “suficientemente contrariadas ou controladas por meios não criminais”; exista uma reconhecível referên- cia de tais bens jurídicos à ordem axiológica constitucional, quer por corresponderem a uma concretização de valores constitucionais ligados aos direitos, liberdades e garantias – como se verifica no âmbito do “direito penal clássico ou de justiça” – quer por se reportarem à concretização de valores constitucionais ligados aos direitos sociais e à organização económica – como se verifica, em regra, no caso do direito penal secundário. Pelo direito penal já não deverão ser abrangidas “as condutas que, dada a sua neutralidade ético-social, não mais permitem uma referência à ordem axiológica constitucional; mas, se se entender que, apesar disso, elas devem ser contrariadas com sanções exclusivamente pecuniárias, de carácter ordenativo, é isso sinal seguro que
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