TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

289 acórdão n.º 461/11 Na sua dimensão positiva, a liberdade de declaração garante ao arguido um amplo direito de interven- ção e de audição, em abono da sua defesa, obrigando à criação de condições de oportunidade efectiva de pronúncia relativamente aos factos que lhe são imputados. Na dimensão negativa – ligada ao direito à não auto-incriminação – protege o arguido contra o exercício impróprio de poderes coercivos tendentes a obter a sua colaboração forçada na auto-incriminação, nomeadamente mediante a utilização de meios enganosos ou coacção (cfr. M. Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal , Coimbra Editora, 1992, pp. 120 e segs.). O princípio nemo tenetur se ipsum accusare abrange, no seu conteúdo potencial máximo, como corolá- rios, o direito ao silêncio e o direito de não facultar meios de prova, nomeadamente documentos. Ora, não obstante não existir expressa e directa consagração constitucional do referido princípio, é insofismável que o mesmo surge como refracção da tutela de valores ou direitos fundamentais, com directa consagração constitucional, que a doutrina vem referindo como correspondendo à dignidade humana, à liberdade de acção e à presunção de inocência. A divisão doutrinária, quanto a este ponto, situa-se sobretudo ao nível da determinação do conteúdo do direito em referência (segue-se J. Figueiredo Dias e M. Costa Andrade – in Supervisão, direito ao silêncio e legalidade da prova , Almedina, Fevereiro de 2009, p. 40). Para uma corrente de pendor substantivo, o fundamento constitucional do referido direito assentaria directamente na dignidade da pessoa humana, plasmada no artigo 1.º da CRP, ou seria o reflexo dos direitos à integridade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, consagrados nos artigos 25.º e 26.º da mesma Lei Fundamental. Em contrapartida, para uma corrente de matriz processualista, o fundamento constitucional do referido direito encontrar-se-ia nas garantias processuais inerentes ao estatuto do arguido, nomeadamente os princí- pios do processo equitativo e da presunção de inocência, consagrados nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n. os 2 e 8, ambos da CRP. Na linha do que o Tribunal Constitucional já defendeu, nomeadamente no âmbito do Acórdão n.º 695/95 – disponível no sítio da internet em www.tribunalconstitucional.pt – e tal como igualmente sus- tentam J. Figueiredo Dias e M. Costa Andrade, acima citados, p. 41 – considera-se que o direito à não auto-incriminação encontra o seu fundamento jurídico-constitucional imediato nas garantias processuais de defesa do arguido, destinadas a assegurar um processo equitativo, relacionando-se, de forma mediata ou reflexa, com os direitos fundamentais de matriz mais substantiva aludidos supra . 11. O direito à não auto-incriminação, nomeadamente na vertente de direito ao silêncio, tendo o seu campo de eleição no âmbito do direito criminal, estende-se a qualquer processo sancionatório de direito público. Porém, o seu conteúdo é diferenciado, consoante o domínio do direito punitivo em que se situe a sua aplicação. Ora, no âmbito contra-ordenacional – dada a diferente natureza do ilícito de mera ordenação e a sua menor ressonância ética, comparativamente com o ilícito criminal – o peso do regime garantístico é menor, conforme já defendido por este Tribunal, nomeadamente no Acórdão n.º 659/06 (disponível no sítio da internet já referido). Refere-se, neste aresto, a propósito da introdução do actual n.º 10 do artigo 32.º da CRP – efectuada pela revisão constitucional de 1989, quanto aos processos de contra-ordenação, e alargada, pela revisão de 1997, a quaisquer processos sancionatórios – que se pretendeu assegurar, nesses processos, os direitos de audiência e de defesa do arguido, expondo-se o alcance da referida norma e da aplicabilidade dos princípios da constituição processual criminal, nos termos seguintes: “Tal norma implica tão‑só ser inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra‑ordenacional, administrativa, fiscal, laboral, disciplinar ou qualquer outra, sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de

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