TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

288 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Na verdade, uma actuação reguladora transversal a todas as actividades e agentes económicos produtivos pode garantir a realização das incumbências económicas prioritárias cometidas ao Estado, conformadas pelo princípio estruturante da concorrência. E este é um valor objectivo do modelo de organização económica que a Constituição desenha, nos seus traços fundamentais e, igualmente, de forma mais mediata, contribui para a realização de direitos econó- micos e sociais (nomeadamente os direitos dos consumidores), ao estimular “o progresso económico-social em benefício dos cidadãos” (J. Miranda e R. Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo II, Coimbra Editora, 2006, p. 20). Face à importância da defesa da concorrência e às vastas incumbências da Autoridade da Concorrência, o legislador dotou tal entidade de poderes públicos, funcionalmente adstritos às competências de que a mes- ma dispõe, ao nível de regulamentação, supervisão e igualmente no âmbito sancionatório. Centrar-nos-emos nestes dois últimos domínios – supervisão e regime sancionatório – para efeito de abordagem da questão de constitucionalidade colocada. 8. O conceito de supervisão abrange o controlo e fiscalização da actividade das empresas sujeitas ao regime da concorrência, nos termos da Lei n.º 18/2003, de 11 de Junho. Corresponde a uma das dimensões mais importantes da regulação, assumindo uma dúplice vertente, preventiva – destinada a acautelar actuações contrárias à lei ou a regulamento – e repressiva – direccionada à repressão e sancionamento das infracções, com consequente ulterior organização de processos contra- -ordenacionais, relativamente a ilícitos de mera ordenação social, e comunicação ao Ministério Público de condutas indiciariamente tipificadas como crimes (J. Figueiredo Dias e M. Costa Andrade – in Supervisão, direito ao silêncio e legalidade da prova , Almedina, Fevereiro de 2009, p. 25). A competência sancionatória cometida à Autoridade da Concorrência funciona como condição de efi- cácia da própria função de supervisão, pelo que o legislador optou por ligar intimamente o âmbito dos dois domínios de actuação da referida entidade. Demonstrativos da íntima ligação entre os poderes sancionatórios e de supervisão são os artigos 17.º e 18.º do diploma em referência, que associam os mesmos indiscriminadamente, quer quanto à equiparação do regime de direitos e deveres dos órgãos de polícia criminal, quer quanto à faculdade de obter informações e documentos. 9. A confluência dos poderes de supervisão e sancionamento contra-ordenacional, correspondendo a uma lógica de continuidade de actuação, com consequentes ganhos de eficiência, acarreta, porém, zonas de tensão ou conflito, cuja análise nos transporta para a questão de constitucionalidade colocada. Argumenta a recorrente que é inconstitucional a obrigatoriedade de o arguido, no âmbito de um processo contra-ordenacional, ser instado a prestar informações, nomeadamente documentação, com verdade e de forma completa, sob cominação de coima, à Autoridade da Concorrência, com a possibilidade de tais elementos virem a ser utilizados como prova incriminatória, contribuindo para eventual condenação contra-ordenacional. Fundamenta o seu juízo de desconformidade constitucional na violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da proporcionalidade, do processo equitativo e das garantias fundamentais do arguido em processo sancionatório, previstos nos artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 4, e 32.º, n. os 2, 8 e 10, todos da Lei Fundamental, centrando, directa e especificamente, a sua posição na alegada violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare - consubstanciado na não obrigatoriedade de contribuir para a sua própria incriminação - que erige à categoria de direito fundamental do arguido, no âmbito de processo contra-ordenacional. 10. O direito à não auto-incriminação pode ser entendido como uma dimensão negativa da liberdade de declaração, que assume preponderante relevo enquanto privilégio integrante do estatuto do arguido, no âmbito de processo criminal.

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