TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
282 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 50) Acresce que esta norma, nesta interpretação, além de ser inconstitucional, viola também o disposto no artigo 6.° da CEDH, aplicável ao processo jusconcorrencial contra-ordenacional nos termos já supra expostos e que aqui se dão por reproduzidos. 51) O direito a um processo contraditório, justo e equitativo, no sentido que lhe é dado pelo n.° 1 do artigo 6.° da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, integra o direito de ser comunicada ao arguido qualquer peça ou observação apresentada a juízo com vista a influenciar a decisão judicial. 52) As contra-alegações apresentadas por uma autoridade administrativa em resposta a uma impugnação judi- cial da decisão condenatória visam influenciar, e podem efectivamente influenciar, a decisão do tribunal. 53) Assim, a interpretação dos artigos 51.°, n.° 1, da Lei n.° 18/2003, 41.°, n.° 1, do RGCOC e 311.°, n.° 1, e 312.°, n.° 1, do CPP no sentido de, no âmbito de um processo contra-ordenacional, o arguido não ter de ser notificado das contra-alegações apresentadas pela autoridade administrativa em resposta à impugnação judicial da decisão condenatória, e de não ter a possibilidade de responder a essas mesmas contra-alegações, além de redundar em norma materialmente inconstitucional, constitui ainda uma violação do artigo 6.°, n.° 1, da CEDH, o que se alega para os devidos efeitos.» O Ministério Público igualmente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma: «1.º O reconhecimento dos direitos do arguido ao silêncio e à não auto-incriminação ( nemo tenetur se ipsem accu sare ou nemo tenetur se detegere ), emana da tutela jurídica de direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade individual e a presunção de inocência. 2.º Tais direitos não são absolutos verificando-se no ordenamento jurídico português, que expressamente reconhe- ce o direito ao silêncio no artigo 61.º, n.º 1, alínea d) , do CPP, algumas limitações (impostas em nome da protecção e salvaguarda de interesses constitucionalmente protegidos e em obediência ao princípio da proporcionalidade), mesmo em matéria criminal [cfr. artigo 61.º, n.º 3, alínea b) , do CPP, bem como a obrigatoriedade de realizar determinados exames, como os de alcoolemia e os previstos na Lei n.º 45/2004, de 29 de Agosto, e ainda os deveres de cooperação perante a administração tributária previstos no RGIT]. 3.º No âmbito das contra-ordenações encontram-se limitações a esses mesmos direitos, nomeadamente, em relação aos deveres de cooperação perante a CMVM, previstos no CdVM) e perante a AdC, previstos na Lei n.º 18/2003. 4.º Efectivamente, existem razões que se prendem com a evolução da sociedade e do Estado, que de liberal passou a intervencionista e regulador, que justificam essas limitações no próprio processo penal, e, por maioria de razão, no âmbito de um direito sancionatório de menor gravidade como é o processo contra-ordenacional, onde o alcance do princípio nemo tenetur é, necessariamente, diferente do alcance que se encontra no âmbito do direito penal clássico. 5.º Por outro lado, no domínio contra-ordenacional, o poder sancionatório das autoridades administrativas apenas se exerce quando se confronta alguém com uma infracção que terá cometido. Antes da imputação de uma contra-ordenação ao agente, este não é considerado arguido (artigo 50.º do RGCO), pelo que, não poderá fazer valer o seu direito ao silêncio no âmbito da supervisão e da fiscalização.
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