TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
281 acórdão n.º 461/11 39) O princípio do contraditório, que tem no moderno processo penal e contra-ordenacional o sentido e o conteúdo das máximas audiatur et altera pars e nemo potest inauditu damnari , determina que o arguido pode pronunciar-se sobre todos os actos ou todas as questões que possam colidir com a sua defesa, e que pode fazê-lo em último lugar. 40) Este princípio, que deve ter conteúdo e sentido autónomos, impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, nomeadamente que seja dada ao acusado a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação. 41) A interpretação dos referidos preceitos legais no sentido normativo ora sindicado nega ao arguido, antes do mais, a possibilidade de ter conhecimento sobre uma tomada de posição que pode virtualmente vir a conformar a decisão final do Tribunal, o que, em última instância, poderá gerar uma decisão surpresa. 42) Nega também ao arguido a possibilidade de se pronunciar sobre todos os actos processuais que possam colidir com a sua defesa e que possam influir na decisão final do tribunal, bem como a oportunidade de o fazer em último lugar. 43) Por sua vez, da interpretação normativa em causa resulta também que o arguido, no âmbito de um processo contra-ordenacional, dispõe de menos armas para se defender do que a autoridade administrativa para acusar. 44) A doutrina e a jurisprudência maioritárias, destacando-se aqui a jurisprudência do Tribunal Constitucio- nal, perfilham do entendimento de que, num processo de cariz sancionatório, o arguido deve ter a possibilidade de se pronunciar sobre qualquer questão que tenha a virtualidade de afectar a sua defesa e que possa influir na decisão do juiz da causa, bem como que deve ter a possibilidade de se pronunciar em último lugar – o chamado direito à última palavra. 45) Estes entendimentos sustentam-se, precisamente, nos princípios do contraditório e da igualdade de armas, que saem violados pela interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver reconhecida, na medida em que, ao não ser notificado das contra-alegações da autoridade administrativa apresentadas como resposta à impugnação judicial da decisão condenatória, o arguido não tem a possibilidade de se pronunciar sobre as mes- mas, nem tão-pouco de se pronunciar em último lugar sobre as questões abordadas na impugnação judicial e nas respectivas contra-alegações. 46) Este corolário do princípio do contraditório e da igualdade de armas, assente nesta estrutura dialéctica em que ao arguido é sempre conferida a possibilidade de se pronunciar em último lugar sobre os actos processuais que possam colidir com a sua defesa, aplica-se com a mesma amplitude a todas as fases do processo penal e contra- -ordenacional, e não apenas à fase de julgamento. 47) O direito à última palavra dos arguidos encontra consagração expressa na legislação processual-penal, entre o mais, nos artigos 61.°, n.° 1, alínea g) , 98.°, n.° 1, 327.°, n.° 2, 360.°, n.° 1, 361.°, n.° 1, todos do CPP, os quais se aplicam ao processo contra-ordenacional, sobretudo na sua fase judicial, por força do disposto, quer no artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, quer do artigo 41.°, n.° 1, do RGCOC. 48) Assim, este direito dos arguidos, cuja existência é inequívoca, como se demonstrou, implica que os argui dos devam ser notificados das contra-alegações da autoridade administrativa apresentadas como resposta à sua impugnação judicial, mesmo não estando expressamente previsto legalmente um meio de reacção por parte dos arguidos a essas contra-alegações, uma vez que os aludidos princípios determinam que, caso o arguido entenda pronunciar-se sobre as mesmas, tenha oportunidade processual de o fazer, o que, obviamente, apenas é possível se o arguido tiver conhecimento ( rectius , for notificado) dessas Contra-Alegações, 49) Pelo que deverá este Venerando Tribunal Constitucional julgar inconstitucional a norma que resulta da interpretação dos artigos 51.°, n.° 1, da Lei n.° 18/2003, 41.°, n.° 1, do RGCOC e 311.°, n.° 1, e 312.°, n.° 1, do CPP no sentido de, no âmbito de um processo contra-ordenacional, o arguido não ter de ser notificado das contra-alegações apresentadas pela autoridade administrativa em resposta à impugnação judicial da decisão conde- natória, e de não ter a possibilidade de responder a essas mesmas contra-alegações, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas e dos direitos de audiência e de defesa, consagrados nos artigos 20.°, n.° 4, e 32.°, n. os 1, 2, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa.
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