TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

280 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 28) Em particular, a Autoridade da Concorrência dispõe de poderosos instrumentos para garantir a defesa da concorrência, através da colaboração voluntária das empresas na investigação de infracções às normas da concorrência, que é constituído pelo regime da clemência, instituído pela Lei n.° 39/2006, bem como através do exercício de poderes de, designadamente, efectuar buscas, exames, recolha e apreensão de cópias ou extractos da escrita e demais documen- tação, quer se encontre ou não em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, sempre que tais diligências se mostrem necessárias à obtenção de prova, conforme resulta do artigo 17.°, n.° 1, alíneas c) e d) , da Lei n.° 18/2003. 29) Por outro lado, no que se refere à proporcionalidade em sentido estrito da restrição em causa, a mesma também não se verifica, na medida em que existe uma coacção directa, intensa e imediata sobre o arguido para que a informação seja prestada, ou a documentação seja entregue, através da ameaça de aplicação de uma sanção pecuniária de valor especialmente elevado. 30) A proporcionalidade em sentido estrito não se verifica, também, porque ainda que exista, no âmbito do processo contra-ordenacional, o direito ao contraditório e o direito à impugnação judicial, os mesmos ficam vazios de conteúdo a partir do momento em que o arguido foi obrigado a revelar, de forma completa, as informações e documentação de que dispunha. 31) Ou seja, a garantia de uma defesa efectiva, e com respeito pela dignidade do arguido, pode ficar precludida na sua génese, não podendo o respeito formal pelo contraditório obviar a esta evidência. 32) A proporcionalidade em sentido estrito não se verifica, por fim, porque a Autoridade da Concorrência requer estas informações e documentação, exactamente, para instruir a acusação sancionatória contra o arguido e formar a sua convicção na decisão condenatória. 33) Portanto, a máxima da proporcionalidade em sentido estrito fica prejudicada na medida em que a lesão em causa não se cinge à imediata violação do nemo tenetur , mas afecta o complexo de garantias de que o arguido goza ao longo de todo o processo de contra-ordenacional. 34) Assim, e em suma, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende agora sindicar traduz uma violação do princípio da presunção de inocência do Arguido, uma vez que o obriga, de forma desnecessária e desproporciona- da, sob ameaça de coima, a contribuir para a sua auto-incriminação. 35) Pelos mesmos motivos, ou seja, por se obrigar o Arguido a contribuir para a sua própria incriminação, sob ameaça de uma sanção, aquela norma traduz, igualmente, uma forma ilegítima de degradação da dignidade do arguido, promovendo uma abusiva restrição da sua liberdade e assim violando o disposto no artigo 18.°, n.° 2, da Constituição, violando, em qualquer caso, as exigências do princípio da proporcionalidade enquanto emanação do Estado de direito, consagrado no artigo 2.° da Constituição. 36) Decorre ainda que aquela norma traduz uma violação do direito a um processo equitativo, em que o Arguidoé tratado com dignidade e lealdade processual e tem acesso às garantias de defesa, de forma útil e efectiva, sendo sujeito processual e não mero objecto do processo. 37) Assim, deverá este Venerando Tribunal Constitucional julgar inconstitucional a norma que resulta da inter­ pretação das disposições conjugadas dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a) , 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003, no sentido de obrigar o Arguido [em processo contra-ordenacional] a revelar, com verdade e de forma completa, sob pena de coima, determinadas informações e documentos à autoridade da concorrência no âmbito de um processo de contra-ordenação. II – A (in)constitucionalidade da norma que resulta da interpretação das disposições conjugadas dos artigo 51.°, n.° 1 da Lei n.° 18/2003, 41.°, n.° 1, do RGCOC e 311.°, n.° 1, e 312.°, n.° 1, do CPP 38) A interpretação das disposições conjugadas dos artigos 51.°, n.° 1 da Lei n.° 18/2003, 41.°, n.° 1, do RGCOC e 311.°, n.° 1, e 312.°, n.° 1, do CPP, no sentido de, no âmbito de um processo contra-ordenacional, o arguido não ter de ser notificado das contra-alegações apresentadas pela autoridade administrativa em resposta à impugnação judicial da decisão condenatória, e de não ter a possibilidade de responder a essas mesmas contra- -alegações, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas e dos direitos de audiência e de defesa dos arguidos, consagrados nos artigos 20.°, n.° 4, e 32.°, n. os 1, 2, 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa.

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