TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
28 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A justificação apresentada para a medida no Relatório que acompanha o Orçamento do Estado é, aliás, clara em salientar que ela se insere num “contexto de excepcionalidade” não visando qualquer tipo de retro- cesso social, mas sim o cumprimento das metas resultantes do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Aí se pode ler: «Uma medida como a da redução remuneratória só é adoptada quando estão em causa condições excepcionais e extremamente adversas para a manutenção e sustentabilidade do Estado Social. Não se pretende instituir qualquer tipo de padrão ou retrocesso social, mas sim assegurar a assumpção das responsabilidades e dos compromissos do Estado português, quer internamente, continuando a prestar um serviço público de qualidade, quer internacional- mente, desde logo na esfera da União Europeia, no quadro do Pacto de Estabilidade e Crescimento». Estando estas medidas instrumentalmente vinculadas à consecução de fins de redução de despesa públi ca e de correcção de um excessivo desequilíbrio orçamental, de acordo com um programa temporalmente delimitado, é de atribuir-lhes idêntica natureza temporária, nada autorizando, no presente, a considerar que elas se destinam a vigorar para sempre. Independentemente dos juízos e dos cálculos previsionais, do ponto de vista económico-financeiro, quanto à evolução das contas públicas e à possibilidade de contenção do défi- ce orçamental nos limites e na data fixados – matéria de que é inarredável um forte grau de subjectividade – o certo é que não se visiona, no momento actual, qualquer base normativa que objectivamente permita dar por assente que as reduções remuneratórias perdurarão indefinidamente. 6. Participação das organizações de trabalhadores na elaboração da lei Os artigos 54.º, n.º 5, alínea d ), e 56.º, n.º 2, alínea a ), da Constituição determinam que constitui um direito das comissões de trabalhadores e também das associações sindicais “participar na elaboração da legis- lação do trabalho”. Mencionam os requerentes “o facto de esta legislação laboral que reduziu os salários não ter sido devida- mente precedida pelas obrigatórias consultas às entidades representativas dos trabalhadores (…)”. A noção de “legislação do trabalho” levanta dificuldades, “tanto quanto ao seu âmbito material, como quanto aos tipos de diplomas abrangidos” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Por- tuguesa Anotada , 4.ª edição, Coimbra, 2007, p. 724). O Tribunal Constitucional já decidiu que, para efeitos de participação na elaboração da legislação labo ral, se deviam considerar, quer a legislação relativa a abono de alimentação (Acórdão n.º 24/92), quer a legis lação relativa a remuneração complementar ou acessória (Acórdão n.º 124/93), com repercussão nas rela ções individuais de trabalho, quer ainda a legislação relativa a “vencimentos e demais prestações de carácter remunerado” respeitantes a relações jurídicas de emprego público (Acórdãos n. os 362/94, 745/98 e 360/03, entre outros), merecendo tal jurisprudência a opinião favorável da doutrina (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pp. 1113 e segs.). E o facto de uma norma estar formalmente inserida no Orçamento do Estado não obsta, só por si, à aplicação deste regime. Já por uma vez, pelo menos, o Tribunal considerou que as organizações de trabalha- dores deveriam ser ouvidas sobre normas constantes da Lei do Orçamento do Estado (Acórdão n.º 360/03). Mas, no caso, entendeu o Tribunal tratar-se de normas que “não dizem directamente respeito a receitas ou a despesas, assumindo a natureza de cavaliers budgétaires ”, dado que estavam em causa medidas estruturantes do regime de aposentação. Ora, não é essa, como vimos, a natureza das normas constantes dos artigos 19.º, 20.º, n.º 1, e 21.º, n.º 1, da Lei do Orçamento do Estado de 2011. Elas estão perfeitamente imbrincadas com a fixação das verbas do mapa orçamental referentes às despesas com o pessoal, tendo imediata incidência na execução orçamental e na sua viabilização. Nisso reside a sua exclusiva função. Não visam regular, com carácter de permanência, qualquer aspecto da estrutura vinculativa das relações laborais ou de emprego público, consti-
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