TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

279 acórdão n.º 461/11 12) À semelhança do que acontece com a Constituição da República Portuguesa, a CEDH e o TEDH reco- nhecem o direito à não auto-incriminação, sendo certo que bastaria o reconhecimento deste direito fundamental por parte da CEDH para o mesmo ser incorporado na Constituição portuguesa, à luz do disposto no respectivo artigo 16.°, n.° 1. 13) À luz da jurisprudência do TEDH (por exemplo, caso “Engel e outros c. Países Baixos”, de 8 de Junho de 1979, Série A n.° 73, pp. 34 e 35) a norma aqui sindicada tem uma natureza materialmente penal, para efeitos do artigo 6.° da Convenção, o qual assegura, sem margem para ambiguidades, o direito ao silêncio e à não auto- -incriminação, independentemente das qualificações do direito interno 14) O próprio Tribunal de Justiça da União Europeia já teve oportunidade de reconhecer a aplicabilidade do artigo 6.° da CEDH em processos jusconcorrenciais, tal como resulta do Acórdão “Montecatini SpA c. Comissão Europeia”, processo C-235/92P. 15) A norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a) , 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003, no sentido de obrigar o Arguido a revelar, com verdade e de forma completa, sob pena de coima, determinadas informações e documentos, constitui uma restrição do direito à não auto-incriminação. 16) A restrição em causa decorre, indiscutivelmente, de, sob ameaça de sanção relevante, se obrigar o arguido – coercivamente – a carrear para os autos elementos que, em si mesmo considerados, ou pelo menos em conjugação com outros elementos já constantes dos autos, ou que possam a vir a constar dos mesmos, podem permitir suportar a sua própria acusação e condenação. 17) Esta restrição deste direito fundamental não respeita os requisitos previstos no artigo 18.°, n.° 2, da Cons- tituição, pelo que, mesmo não sendo um direito absoluto, o direito à não auto-incriminação sai violado pela inter- pretação normativa aqui sindicada também por este motivo. 18) Em primeiro lugar, esta restrição não se mostra necessária para salvaguardar direitos ou interesses de valor superior ou, sequer, idêntico ao direito fundamental restringido. 19) Com efeito, trata-se de uma ponderação realizada entre uma tarefa fundamental do Estado consagrada constitucionalmente no artigo 81.°, n.° 1, alínea f ) , da CRP e um direito ou garantia de natureza fundamental consagrado nos artigos 20.°, n.° 4, e 32.°, n.°s 2, 8 e 10 da CRP (o nemo tenetur ). 20) O direito ou garantia fundamental em causa sempre terá valor superior à tarefa fundamental do Estado (ou, pelo menos, nunca terá valor inferior), pelo que, em nenhum caso, será admissível afectar o núcleo essencial daquele. 21) O segmento normativo em crise, ou seja, a norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a) , 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003, no sentido anteriormente referido, elimina o núcleo essencial daquele direito fundamental. 22) Com efeito, tal norma permite que, na fase de recolha de prova, a autoridade administrativa ordene ao argui­ do a entrega de qualquer documento e a prestação de qualquer informação, independentemente do seu conteúdo ou natureza, não resultando daquela norma nenhum critério que delimite o dever de colaboração do arguido. 23) Do mesmo modo, a norma em crise permite igualmente que qualquer ordem de entrega de documentos ou prestação de informações – cujos critérios e limites inexistem – possa ser suportada coercivamente por uma ameaça de sanção pecuniária que pode ir até 1% do volume anual de negócios da empresa no ano transacto. 24) Em segundo lugar, a interpretação normativa aqui sindicada significa uma ausência de pré-fixação normati- va de critérios e limites da actuação restritiva do direito fundamental à não auto-incriminação, podendo a autorida- de administrativa, ao abrigo daquela interpretação, solicitar qualquer tipo de elemento, informação ou documento à Arguida (como, aliás, veio a suceder), que podem equivaler materialmente a verdadeiras declarações confessórias. 25) De onde resulta, também por aqui, uma restrição constitucionalmente ilegítima daquele direito funda- mental. 26) Em terceiro lugar, a norma cuja (in)constitucionalidade se pretende agora sindicar, restringe um direito fundamental (o direito à não auto-incriminação), de forma desproporcionada. E isto por dois motivos. 27) Por um lado, no que se refere à necessidade (exigibilidade) da restrição em causa, a mesma não se verifica pois a Autoridade da Concorrência tem à sua disposição outros mecanismos para garantir a defesa da concorrência, sem necessitar de instrumentalizar o arguido, restringindo o seu direito a não se auto-incriminar.

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