TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
278 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 4. A recorrente apresentou alegações, onde conclui, nos termos seguintes: «I – A (in)constitucionalidade da norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a) , 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003 1) A interpretação conjugada dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a) , 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003, no sen- tido de obrigar o Arguido em processo contra-ordenacional a revelar, com verdade e de forma completa, sob pena de coima, determinadas informações e documentos à autoridade da concorrência no âmbito de um processo de contra-ordenação, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de direito democrático, da proporcionalidade, do processo equitativo e das garantias fundamentais do Arguido em processo sancionatório, previstos nos artigo 1.º, 2.°, 18.°, n.° 2, 20.°, n.° 4, e 32.°, n. os 2, 8, e 10 da Lei Fundamental. 2) A mesma norma, interpretada nos termos expostos, viola o direito (ou a garantia) fundamental à não auto- -incriminação ou nemo tenetur se ipsum accusare , enquanto direito que se pode definir como o direito do arguido a não ser obrigado a contribuir para a sua própria incriminação. 3) O direito à não auto-incriminação encontra amplo fundamento constitucional, seja por via do desenvol- vimento dos conceitos do Estado de direito democrático ou da dignidade da pessoa humana, seja por incluir o núcleo das garantias essenciais do processo equitativo ou, em especial, o núcleo das garantias de defesa do arguido em processo penal. 4) A norma do artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, ao atribuir direitos de defesa ao arguido em processo contra-ordenacional, confere por si só dignidade constitucional, no âmbito do processo de contra-ordenação, a um conjunto de princípios fundamentais, como sejam as garantias basilares do processo justo e equitativo (cfr. artigo 20.°, n.° 4, da Constituição, artigo 6.° da CEDH e 14.° do PIDCP), a garantia da presunção da inocência, o direito ao silêncio e à não auto-incriminação. 5) Mesmo que se entenda que a norma ínsita no artigo 32.°, n.° 10, da CRP não inclui ou pressupõe o assegu- rar das garantias fundamentais do processo penal, sempre as mesmas devem ser consideradas no âmbito do direito e processo contra-ordenacional, tendo em conta, designadamente, a equiparação entre os dois ordenamentos, ao abrigo de outras normas constitucionais, designadamente as que constam dos artigos 1.º, 2.°, 20.°, n. os 1 e 4, 32.°, n. os 1 e 5, da Constituição. 6) A aproximação entre o Direito Penal e Processual Penal e o Direito contra-ordenacional é inquestionável, constatando-se uma tendencial equiparação entre ambos no que concerne aos respectivos regimes adjectivos, ao seu carácter sancionatório e à sua dimensão retributiva, pelo que deve fazer-se uma interpretação ampla dos princípios e direitos fundamentais relativos ao direito e processo penal – da designada constituição penal – estendendo-os ao processo contra-ordenacional em todas as suas fases. 7) A Constituição (material) não tolera, não pode tolerar, a concessão ao legislador ordinário de um poder de conformação tão amplo que implique, de facto, que paulatinamente se desenvolva um processo de cariz sanciona- tório tão ou mais agressivo ( rectius , tão ou mais restritivo de direitos fundamentais) que o processo penal, sem que o mesmo seja acompanhado das garantias essenciais daquele processo. 8) Nesta medida, o direito à não auto-incriminação, enquanto direito fundamental integrante das garantias essenciais do processo penal, tem aplicação no âmbito do direito e processo contra-ordenacional. 9) O direito ao silêncio é o âmago da prerrogativa do direito à não auto-incriminação. 10) Contudo, o direito à não auto-incriminação – right against self incrimination – não se esgota, nem sequer se confunde, com aquele outro direito (como resulta da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do TEDH, analisada nas presentes alegações). 11) Ou seja, sem prejuízo de não constituir um princípio absoluto e que, por isso, comporta, a par dos demais, restrições justificadas, o direito à não auto-incriminação não se limita às declarações do arguido – interrogatório judicial ou não judicial – antes respeitando a quaisquer contribuições do arguido de conteúdo directamente incri- minatório, designadamente prestação de informações e à entrega de (certos) documentos.
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