TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
271 acórdão n.º 460/11 A Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, assumiu a tipificação destes crimes conjuntamente com os cometidos pelos titulares de altos cargos públicos, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos. E, no seu artigo 40.º, dispôs que o julgamento desses crimes far-se-ia sem intervenção do tribunal do júri. Entre as razões que terão determinado o afastamento da possibilidade de julgamento com intervenção do júri, relativamente aos crimes previstos nesta lei, estará, desde logo, a necessidade de traçar uma distinção clara, entre a responsabilização dos titulares de cargos políticos no plano político e no plano criminal. Com efeito, se é certo que o tribunal do júri é uma forma privilegiada de participação dos cidadãos na administração da justiça, o legislador entendeu que, quando estejam em causa os crimes previstos na aludida Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, tal participação comporta mais riscos e inconvenientes do que vantagens. Desde logo, porque os titulares de cargos políticos, independentemente de qualquer responsabilidade cri- minal pelos seus actos e omissões, têm sempre, no âmbito da sua responsabilidade política, o dever de «prestar contas» pelas suas decisões, pelos seus actos e omissões, e pelos resultados dessa actuação no exercício dos res- pectivos cargos. Mas esse «prestar de contas» em termos políticos não se confunde, nem pode confundir-se, com um «prestar de contas» em termos de responsabilidade criminal. E um tal risco de confusão é decerto potencia- do quando se colocam na situação de julgadores de uma responsabilidade criminal aqueles a quem incumbe o escrutínio político dos titulares de cargos públicos. É assim compreensível e justificado que o legislador tenha entendido excluir a intervenção como julgadores daqueles que dificilmente se poderiam distanciar do juízo (político) que num sistema democrático são naturalmente chamados a formular sobre quem governa. Não se trata aqui de presumir que os cidadãos, enquanto jurados, são irremediavelmente parciais nos seus juízos em relação aos políticos. O que se pretende realçar é que, em relação a crimes da responsabilidade de titulares políticos, o perigo de “contaminação” entre o plano da responsabilidade política e o da responsa- bilidade criminal constitui um risco bem evidente. Dir-se-á que este perigo não fica afastado em relação aos magistrados, que têm também pré-compreen- sões políticas, podendo ter também pré-conceitos em relação à personalidade a julgar. Contudo, não se pode afirmar que, neste aspecto, os magistrados estejam nas mesmas condições que os demais cidadãos. Não só a sua formação jurídica e experiência profissional os habilita a melhor evitar a inter- ferência de eventuais elementos inibidores da sua imparcialidade e isenção e a destrinçar os planos político e criminal, em sede de responsabilização, como estão também sujeitos a uma série de deveres estatutários que não impendem sobre a generalidade dos cidadãos ( v. g. a proibição da prática de actividades político- -partidárias de carácter público e a sujeição a um rigoroso regime de incompatibilidades), deveres esses que são também garantes das referidas qualidades de imparcialidade e isenção. A tudo isto acresce que, também no caso de julgamento de crimes imputados a titulares de cargos políti- cos, não se pode excluir a existência de problemas relacionados com a pressão que poderia ser exercida sobre os jurados em determinado tipo de circunstâncias, tendo em atenção a natureza dos crimes em julgamento e o peso político-social dos seus autores. A admitir-se a possibilidade de julgamento com intervenção de júri nestes casos, torna-se maior o risco de se provocarem situações de difícil aplicação de justiça por força das pressões que venham a ser exercidas sobre os jurados, às quais um cidadão, porque não beneficia das mesmas garantias dos magistrados, consa gradas no respectivo estatuto, no sentido de acautelar a sua independência e isenção, poderá ter maior difi- culdade em escapar. É que, também nestes casos, esta proibição de intervenção do tribunal do júri visa proteger os cidadãos que, sendo obrigados a integrar um júri para este tipo de crimes, poderiam ver postos em causa valores essenciais, pessoais e familiares, pois estariam mais expostos a pressões ou outras formas atentatórias da sua liberdade, segurança e tranquilidade, direitos esses que cumpre ao Estado salvaguardar. No segmento normativo do artigo 40.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, aqui sob fiscalização, está apenas em causa a proibição de um tribunal do júri julgar um crime de participação económica em negócio, previsto e punido pelo artigo 23.º, n.º 1, um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido
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