TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
270 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL conferidaliberdade ao julgador de, entre os crimes graves, escolher aqueles em que não é admissível a inter- venção de tribunal do júri (vide, neste sentido, Damião da Cunha, na ob. e loc. cit .) . Com estas leituras, o legislador ordinário, além de poder conformar livremente a composição do tri- bunal do júri, ganhou igualmente a liberdade de determinar a sua constituição obrigatória e de, seguindo critérios de razoabilidade, seleccionar entre os crimes graves quais os que permitem a intervenção do tribunal do júri, ficando-lhe apenas vedada a possibilidade de prever a possibilidade dessa intervenção nos crimes de pequena gravidade e nos de terrorismo e de criminalidade altamente organizada. Assim sendo, com excepção do aditamento de uma nova categoria de crimes em que é vedado ao legis- lador ordinário prever a intervenção do tribunal do júri – os de criminalidade altamente organizada – a Re- visão de 1997, neste domínio, orientou-se no sentido de acentuar a entrega ao legislador ordinário da tarefa de definição da importância e do figurino desta forma de participação popular na Administração da Justiça. O recorrente alega que a aprovação da nova redacção deste preceito pela Revisão Constitucional de 1997 ultrapassou os limites materiais da revisão impostos no artigo 288.º, alíneas d) e m), da Constituição, pelo que as alterações introduzidas seriam elas próprias inconstitucionais, o que impediria a sua invocação para fundamentar a conformidade constitucional das normas aqui sob fiscalização. Independentemente de sabermos se a previsão do tribunal do júri tem um conteúdo que se insere no âmbito de alguma destas alíneas, do artigo 288.º da Constituição, se as alterações operadas pela revisão de 1997 violam esses limites materiais, e ainda se o Tribunal Constitucional pode conhecer desse vício em fis- calização sucessiva concreta, facilmente se constata que a questão colocada, apesar de academicamente inte ressante, não é relevante para a apreciação do mérito deste recurso. Na verdade, atento o conteúdo do segmento normativo aqui sob fiscalização, verifica-se que a sua cons- titucionalidade não é aferida nem pela possibilidade do legislador poder prever uma intervenção obrigatória do tribunal do júri, nem pela nova proibição de intervenção nos casos de criminalidade altamente organiza- da, nem ainda pela eventual ampliação da liberdade do legislador ordinário seleccionar entre os crimes graves aqueles em que se justifica a possibilidade de intervenção do tribunal do júri, uma vez que nenhum dos crimes a que a mesma se reporta (um crime de participação económica em negócio, um crime de corrupção passiva para acto ilícito, e um crime de abuso de poder), como adiante se demonstrará, está fora da margem de liberdade de que o legislador goza no preenchimento do conceito de crime grave, para os efeitos previstos no artigo 207.º, n.º 1, da Constituição. Não se revelando que as alterações introduzidas neste domínio pela Revisão Constitucional de 1997 sejam determinantes para se avaliar a constitucionalidade do segmento normativo impugnado, carece de sentido útil para o presente recurso a acusação de que essas alterações são inconstitucionais, por violarem os limites materiais da revisão da Constituição. 2.2. A aprovação da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, teve em vista dar cumprimento à imposição legife- rante contida, então, no artigo 120.º, n.º 3, da Constituição (a que corresponde, actualmente, o artigo 117.º, n.º 3), no sentido de a lei determinar “os crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos”. Este preceito constitucional, no seu n.º 1, começa desde logo por estabelecer o princípio geral de que “os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas acções e omissões que prati- quem”, conceitos estes que não estão isentos de dificuldades de densificação jurídico-constitucional (vide, a este propósito, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , Volume II, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 118 e segs.). A autonomização dos crimes cometidos pelos titulares de cargos políticos no exercício das respectivas funções e por causa do seu exercício explica-se pelo acrescido dever de zelo a que se vinculam esses cidadãos perante o interesse público e o povo (Jorge Miranda, em Constituição Portuguesa anotada , tomo II, p. 322, da edição de 2006, da Coimbra Editora).
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