TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

263 acórdão n.º 460/11 tenha origem ilícita ou que fosse proveniente do exercício do cargo político exercido pelo Arguido. Em suma, quando apesar de tal instrumentalidade ou conexão ter sido alegada, tal não tenha sido minimamente provado: 79.º - A norma em apreço, igualmente adoptada no douto Acórdão recorrido, pressupõe, desde logo, a não inconstitucionalidade da exclusão do tribunal do júri operada pelo artigo 40.º, na interpretação a que se reportam as conclusões imediatamente precedentes, cuja validade se mantém in totum . 80.º - Acrescem aos argumentos supra enunciados que, em casos como o dos autos, em que (sendo apreciado o recurso da decisão que indeferiu o Júri juntamente com o recurso da decisão condenatória) não se tenha provado em sede de julgamento que o dinheiro pretensamente branqueado tenha tido origem num dos crimes que, à data da sua prática, constituía um dos tipos subjacentes que geravam a conexão relevante, e nem sequer ilícita (elemento essencial do tipo penal de branqueamento), ou que tivesse qualquer ligação com o desempenho do cargo político exercido pelo Arguido, nenhuma conexão ou instrumentalidade existe entre o crime praticado por titular de cargo político no exercício de funções e o de branqueamento de capitais que justifique o afastamento da competência do tribunal do júri em relação ao segundo. 81.º - Nem se diga que a aferição dos pressupostos processuais, como a competência do tribunal do júri, se faz à luz dos factos vertidos na acusação ou na pronúncia, nos casos em que exista. É que, em casos (como o dos autos) em que a conexão ou instrumentalidade não seja provada, e seja ordenada a repetição do julgamento por crimes alegadamente praticados na qualidade de titular de cargo político, nada impede que a repetição do julgamento, desta feita quanto ao crime de branqueamento de capitais, seja feita perante tribunal do júri, conforme oportuna- mente requerido, uma vez que não foi provada “uma significativa relação de instrumentalidade ou conexão” que justificaria em tese o receio de politização do julgamento. 82.º - Outra solução jurídica ditaria a prevalência das regras de aferição dos pressupostos processuais (que inviabilizaram o deferimento da intervenção do Júri à luz do juízo de conexão ou instrumentalidade do crime de branqueamento de capitais em relação aos demais), e da reapreciação dos recursos à luz dos pressupostos fácticos subjacentes à decisão reapreciada (que indeferiu o Júri) em detrimento dos direitos constitucionalmente previstos nos artigos 32.º, n.º 1, 48.º, n.º 1 e 207.º, da CRP. O mesmo é dizer, a prevalência do direito adjectivo sobre o direito substantivo, e da forma sobre a matéria. Ou seja, da aparência processual sobre a realidade factual, em violação também do direito a um processo justo e equitativo e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 4 e 5 da CRP). 83.º - Ao criar um instrumento processual – o requerimento do Arguido para a intervenção do tribunal do júri – permitindo, nos casos a que alude a norma em apreço, o seu indeferimento à luz dos pressupostos da acusação e/ ou da pronúncia que se revelaram já materialmente infundados, viola a norma em causa, de forma desnecessária, o direito a um processo equitativo e à tutela judicial efectiva (artigo 20.º, n. os 4 e 5, da CRP). 84.º - Se a apreciação dos pressupostos da intervenção do Tribunal do júri for realizada meramente com base nas alegações da acusação, esta intervenção ficará sempre nas suas mãos, pois manipulando ou errando nas suas alegações poderá garantir que obterá uma decisão conforme com os seus interesses. 85.º - Ora, o artigo 207.º da CRP, não obstante todas as alterações sofridas, continua a fazer a intervenção do Júri depender da vontade da acusação ou do Arguido, colocando ambos em igualdade de armas quanto à questão. Estruturar a decisão com base nas alegações da acusação, ou nos errados pressupostos da pronúncia, faria tanto sentido como baseá-la apenas nas alegações da defesa, independentemente das provas. 86.º - Tal interpretação normativa, em casos como o dos autos, constitui uma restrição a ambos os direitos em causa que não prossegue qualquer bem constitucional em violação do artigo 18.º, n.º 2, da CRP. E ainda que se alegasse que promoveria a celeridade processual, sempre se revelaria completamente desproporcionada. 87.º - Por outro lado, não havendo qualquer ligação entre os crimes, excluir todos do âmbito do tribunal do júri significa violar de modo ainda mais drástico a Constituição visto que se está a ir muito para lá do que a própria Lei inconstitucionalmente estabelece. 88.º - Assim, a norma em questão é materialmente inconstitucional por violação dos artigos 1.º, 2.º, 12.º, 13.º, 17.º, 18.º, n.º 2 e 3, 20.º, n.º 4 e n.º 5, 32.º, n.º 1, 48.º, n.º 1, 50.º, n.º 2, e 207.º, n.º 1, alineas d) e m) do 288.º da CRP.

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