TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

260 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL julgamento por Júri em relação a praticamente todos os crimes que podem praticar (particularmente com a interpre- tação acolhida no presente processo), a restrição em análise faz diminuir o alcance do conteúdo essencial do preceito atributivo do direito a um julgamento por Júri, em violação do artigo 18.º, n.º 3, CRP. 49.º - Com efeito, este núcleo essencial tem por objecto precisamente aquele conjunto de actos que historica- mente foram pacificamente protegidos (“extensão”) ou aquelas categorias de indivíduos que sempre gozaram do direito e que são aquelas que mais fragilizadas ficarão pela sua privação (“alcance”). 50.º - O julgamento por Júri ganhou historicamente importância precisamente nos crimes contra o Estado ou praticados por parte de actores políticos, particularmente opositores. 51.º - É nestes crimes, em que o Estado surge como acusador e Juiz, mas igualmente como vítima ou pretensa vítima, que se podem colocar dúvidas sérias quanto à capacidade dos juízes serem isentos. 52.º - Dir-se-á que tais dúvidas em Portugal não têm razão de ser. Aceita-se abertamente que não, mas estas garantias não valem ad persona. Estas foram consideradas essenciais nos Estados Unidos e ninguém duvidará da independência dos seus tribunais. 53.º - Que o direito dos políticos de serem julgados por tribunal do júri integra o núcleo essencial deste direito, li- berdade e garantia, particularmente naqueles crimes praticados no exercício das suas funções, é confirmado pelo dispos- to na Constituição da I República (1911) que apenas estabelecia a obrigatoriedade do Júri para o julgamento dos crimes políticos e daqueles puníveis com pena mais grave do que a prisão correccional, quando estipulava o artigo 39.º do Có- digo de Processo Penal de 1929 que, nos crimes políticos e em matéria de facto, os jurados decidiam definitivamente. 54.º - Mas a esta incompatibilidade com o respeito do conteúdo essencial, acrescem violações do princípio da proibição do excesso, nas suas três vertentes: adequação, necessidade e proporcionalidade estrita. 55.º - Os Jurados, pela mera circunstância de o Arguido ser titular de um cargo político, não estão “neces- sariamente imbuído[s] de valorações políticas e preconceitos (positivos ou negativos) em face da personalidade a julgar”, personalidade que podem até não conhecer, ou não lhes suscitar qualquer tipo de preconceito positivo ou negativo que seja. 56.º - Aqui radica, desde logo, a inadequação da norma restritiva em apreço ao basear-se numa presunção inilidível de influenciabilidade dos Jurados e no pressuposto, não demonstrado e seguramente incorrecto, que os Juízes de carreira serão, por essência, não influenciáveis face à personalidade a julgar. 57.º - Esta presunção empiricamente indemonstrada, que encerra uma duplicidade de tratamento entre seres humanos, magistrados e cidadãos comuns, baseia-se numa antítese do espírito igualitário e democrático que do- mina a Constituição de 1976. 58.º - A formação jurídica e a experiência profissional não tornam as pessoas imunes às suas pré-compreensões políticas. 59.º - Confronte-se os casos de exclusão constitucional do tribunal do júri (terrorismo e criminalidade alta- mente organizada) com este caso legal de exclusão do tribunal do júri no caso da maioria dos crimes praticados pelos titulares de cargos políticos. Claramente, os dados que justificam os receios para a não isenção da decisão são completamente diferentes. Num caso, um intenso medo justificado. No outro, uma presunção automática e inilidível da falta de capacidade do cidadão comum para ser isento em relação a qualquer dos seus políticos. 60.º - É manifesta a inadequação desta restrição para garantir isenção. A pretensa ameaça à isenção e a alegada adequação da restrição para a eliminar encontram-se juncadas de uma pré-compreensão elitista, paternalista e ultrapassada profundamente contrária ao princípio democrático. Não constitui a Democracia um regime estru- turalmente baseado na ideia precisamente oposta: a de que os cidadãos têm o direito de julgar os actos dos seus políticos e que o resultado eleitoral será justo? 61.º - Para o douto Acórdão recorrido, a motivação do legislador ordinário ao excepcionar a possibilidade de intervenção do Júri no julgamento dos crimes a que alude a Lei em apreço foi acautelar a hipótese de “politização do processo penal”, “não autoriza[ndo] a participação do júri necessariamente imbuído de valorações políticas e preconceitos (positivos ou negativos) em face da personalidade a julgar.”. 62.º - Assim, sustenta-se que se visou impedir que os titulares de cargos políticos fossem favorecidos ou preju- dicados pela sua popularidade ou falta desta.

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