TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
259 acórdão n.º 460/11 – Quanto à aplicabilidade directa do artigo 207.º, da CRP, como fundamento de exclusão do crime de branque- amento do âmbito do direito a intervir no tribunal do júri e a ser julgado por Júri, independentemente de lei ordinária restritiva nesse sentido: 39.º - Basear uma decisão restritiva directamente na Constituição sem ter por base uma lei ordinária restritiva constitui operação de constitucionalidade muito delicada. 40.º - Por um lado, não é claro que se possa retirar essa exclusão do tribunal do júri directamente do n.º 1 do artigo 207.º, da CRP. De facto, este preceito estabelece um direito, delimitando o seu âmbito de protecção por meio de elementos negativos: o Júri não se aplica a crimes de terrorismo ou a criminalidade altamente organizada. Mas as condutas pelas quais o arguido foi condenado nada têm a ver com terrorismo ou criminalidade altamente organizada, de modo que só através da sua textual remessa para a intervenção do legislador poderia extrair-se um “excesso de conteúdo” em relação àquelas duas exclusões. 41.º - As normas constitucionais atributivas de direitos, liberdades e garantias são efectivamente directamente aplicáveis, mas as normas constitucionais que estabelecem deveres ou que sejam restritivas de direitos em termos não consagrados em lei ordinária prévia dependem de lei ordinária concretizadora. Não existe norma constitu cional correspondente ao artigo 18.º, n.º 1, da CRP, aplicável às normas constitucionais restritivas. 42.º - Ou seja, nunca seria legítimo invocar directamente o artigo 207.º, da CRP, para justificar uma decisão judicial de exclusão do tribunal do júri em relação ao crime de branqueamento sem que a lei ordinária estabeleça tal exclusão. O artigo 207.º apenas poderia ter a eficácia de tomar inconstitucionais normas legais manifestamente contrárias, mas não a de permitir a solução directa de um caso concreto sem intermediação legislativa. Mas não há nenhuma outra norma infraconstitucional (além da do artigo 40.º da Lei n.º 34/87) que, ao tempo dos factos, pudesse fornecer uma “exclusão acrescentada” ao que já resulta das cláusulas do artigo 207.º da CRP, daí que apenas nos termos do artigo 40 seria possível encontrar esse surplus . – Quanto à interpretação do artigo 40.º no sentido de o Tribunal do júri não poder efectuar o julgamento dos crimes a que se refere a Lei n.º 34/87: 43.º A norma do artigo 40.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho – que serviu de fundamento legal para negar ao arguido o, por ele solicitado, julgamento por tribunal do júri – exclui a intervenção desse tribunal nos casos, ao tempo dos factos, previstos nessa lei (crimes praticados por titulares de cargos políticos). 44.º - Em 1987, quando a Lei n.º 34/87 foi aprovada, não existia qualquer autorização como o actual artigo 207.º da CRP ao estabelecimento de restrições a estes direitos, o que significa que o artigo 40.º foi aprovado com directa violação do artigo 18.º, n.º 2, CRP. Sem cobertura no texto constitucional, a norma do artigo 40.º da Lei n.º 34/87 devia ter-se por inconstitucional. 45.º - O artigo 40.º da Lei n.º 34/87 de 16 de Julho, ao fazer uma restrição inadmissível aos direitos dos titula- res dos cargos políticos, em detrimento dos restantes cidadãos (artigos 1.º, 2.º e 12.º, n.º 1, da Lei Fundamental), encerra em si mesmo uma clara violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), por tal restrição não se achar fundada numa razão constitucionalmente válida que a justifique. 46.º - Aquele artigo discrimina e torna desigual o acesso ao tribunal do júri pelos titulares de cargos políticos relativamente ao julgamento de quem não ocupa esses cargos, vendo aqueles diminuídas as suas garantias de defesa (artigo 32.º, n.º 1 Constituição da República Portuguesa) e os meios processuais que o legislador constitucional quis consagrar para todos (artigo 207, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e, assim, postos em causa os princípios da igualdade e da participação popular na administração da justiça; 47.º - Priva de um direito, liberdade e garantia (ao menos de natureza análoga) toda uma categoria de indiví- duos, em termos violadores do princípio da universalidade (artigo 12.º da CRP). Ora, esta desigualdade (qualquer violação da universalidade implica sempre uma desigualdade) é proibida expressamente pelos artigos 48.º, n.º 1, e especialmente 50, n.º 2, ambos da CRP. De facto, se ninguém pode ser prejudicado nos seus direitos sociais por desempenhar um cargo público, muito menos poderá ser privado de um direito, liberdade e garantia. 48.º - Ao excluir toda a categoria de cidadãos que exercem cargos políticos, que histórica e contemporaneamente constitui precisamente uma das categorias perseguida por julgamentos abusivos, do gozo da garantia fundamental de
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