TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

257 acórdão n.º 460/11 19.º - Esta conclusão não foi minimamente colocada em causa pela alteração do artigo 34.º, n.º 3, na Revisão Constitucional de 2001. Os crimes qualificados também como criminalidade altamente organizada (“o terrorismo e o tráfico de pessoas, de armas e de Estupefacientes”) preenchem geralmente estes requisitos, sendo para o Recorrente evidente que será necessário confirmar tais requisitos no caso concreto. 20.º - Qualquer outro sentido que procure esvaziar o padrão constitucional para poder compreender nessa noção crimes apenas particularmente lesivos, violentos ou complexos terá de ser qualificada como inconstitucional por converter a alteração de 1997 numa revisão violadora do limite material constante da alínea d) do artigo 288.º da CRP, ao comprimir de modo desnecessário e desproporcionado os direitos a ser julgado por Júri e a participar neste. 21.º - A gravidade do crime constitui critério constitucional para autorizar a intervenção do Júri e nunca para o excluir. O mesmo se diga em relação ao carácter particularmente lesivo do crime. Este apenas aumenta a sua gra- vidade, nada mais. E a mera perigosidade dos arguidos é irrelevante se estiverem impossibilitados de pessoalmente interferir no curso do processo, não constituindo, nesse caso, ameaça séria para os Jurados. 22.º - O mesmo se diga de qualquer interpretação da noção que leve à sua aplicação formal e automática, cega às circunstâncias do caso concreto. Não é admissível que se prive um indivíduo de um dos seus direitos, liberdades e garantias sem ponderar todas as particularidades concretas, sobretudo quando os alegados fundamentos jurídicos para essa restrição são desautorizados pelas próprias instâncias de julgamento. 23.º - Pese embora o conceito constitucional de “criminalidade altamente organizada” – introduzido, no que passou a ser o artigo 207.º da CRP, pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – tenha tido por fonte a definição de criminalidade altamente organizada vazada, à época, no artigo 1.º do CPP, não existe identidade conceptual entre os dois normativos. Em anotação (10) ao artigo 1.º do seu Comentário do Código de Processo Penal, Paulo Pinto de Albuquerque considera mesmo que “A nova noção de criminalidade altamente organizada é, em parte, inconstitucional”, porque “o alargamento da noção de criminalidade altamente organizada para além dos limites da Constituição é inadmissível, por violar frontalmente aquela que era a mens legislatoris e a própria materialidade do conceito constitucional” 24.º - De facto, na versão original do Código de Processo Penal aprovado Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Dezem- bro, delimitavam-se [com base num catálogo expresso – alínea a) do seu n.º 2 – e numa clausula geral – alínea b) do mesmo número] as condutas que podiam considerar-se como “casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamen- te organizada”. Em decorrência da revisão do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, o Decreto-Lei n.º 317/95, de 28 de Novembro, ajustou a numeração do mesmo elenco dos crimes que podiam integrar esses conceitos, deixando intacta a alínea b) desse n.º 2 – e o mesmo fez a Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto. Antes da alteração de redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (inaplicável ao caso por ser posterior à data dos factos) a inclusão do crime de branqueamento no conceito de “criminalidade altamente organizada” não podia resultar nem da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do CPP (visto que o seu catálogo não integrava o crime de “branqueamento”), nem da sua alínea b) (porque nem se dirigia “contra a vida, a integridade física ou a liberdade”, nem a sua moldura penal excedia os 5 anos de prisão – cfr. o artigo 23.º, n.º 4, do RJIFNA, e o artigo 103.º, n.º 1, do RGIT). 25.º - Caso não se adopte uma interpretação constitucionalmente conforme da alteração introduzida em 1997 na norma da Lei Fundamental sobre o tribunal do júri, e se a entenda como uma autorização ao estabelecimento de restrições adicionais pelo legislador ordinário (“nos casos e com a composição que a lei fixar”) – de modo a rele­ gitimar soluções legislativas pretéritas, abre-se um direito fundamental à ampla discricionariedade do legislador. 26.º - Tal autorização não pode desproteger directamente um bem jurídico preciso, susceptível de ser objecto de um controlo rigoroso de constitucionalidade, por um livre trânsito para a criação de outras restrições à interven- ção do tribunal do júri, sob pena de se entregar a uma lei ordinária a livre restrição (ou até ablação) de um direito fundamental. 27.º - Tal abertura constituiria uma violação grosseira do artigo 288.º, alínea d) , da CRP, visto que converteria um preceito atributivo de um direito, liberdade e garantia num preceito sem efectiva aplicabilidade directa por ficar dependente de norma legal (em desvio face ao artigo 18.º, n.º 1, da CRP) e sujeito à ampla discricionariedade do legislador na formulação de restrições para a tutela de diversos fins – constitucionais ou não.

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