TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
244 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL qualquer violação do disposto no artigo 30.º, n.º 3, da Constituição, mesmo que se pudesse entender – o que não é liquido – que a proibição aí contida se torna aplicável no domínio das contra-ordenações. Concluindo-se, como se concluiu, que a norma do artigo 8.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RGIT não pode en- tender-se como consagrando uma modalidade de transmissão para gerentes ou administradores da coima aplicada à pessoa colectiva, facilmente se compreende que esse dispositivo não pode também pôr em causa o princípio da presunção da inocência do arguido, a que o tribunal recorrido também fez apelo para declarar a inconstituciona- lidade do preceito. Na verdade, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, ao estipular no seu primeiro segmento que ‘[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação’, estabelece um princípio da constitui- ção processual criminal que assenta essencialmente na ideia de que o processo deve assegurar ao arguido todas as garantias práticas de defesa até vir a ser julgado publicamente culpado por sentença definitiva (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, Coimbra, 2005, p. 355). Ainda que se aceite que este princípio tem também aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de processo pelo artigo 32.º, n.º 10, da Constituição, o certo é que, no caso, conforme já se esclareceu, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima.» 9.1. O Tribunal entendeu então que a responsabilidade dos gerentes ou administradores consagrada no artigo 8.º, n.º 1 do RGIT é titulada pelo instituto da responsabilidade civil delitual ou aquiliana: aqueles sujeitos são chamados, a título subsidiário, na exacta medida do dano que produziram à Administração Fiscal ao terem impossibilitado, pela sua administração, a realização do pagamento das coimas devidas. A imputa- ção não prescinde, como realçou então o Tribunal, da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao come timento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a acção e o dano produzido. Esta configuração da responsabilidade prevista nas alíneas a) e b) do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT torna inadequada a convocação de qualquer dos parâmetros contidos nos artigos 30.º e 32.º da Constituição. De facto, e independentemente da questão de se determinar, previamente, o âmbito de aplicação das garan- tias de defesa em processo criminal quando estejam em causa ilícitos contra-ordenacionais, pode-se concluir liminarmente pela inadequação das mesmas enquanto parâmetros de apreciação da questão em apreço, uma vez que a mesma se localiza num outro lugar do sistema, atinente à responsabilidade extracontratual. 9.2. Esta é também a posição de Germano Marques da Silva, que defende que “[a] responsabilidade civil pelo pagamento da multa penal nada tem a ver com os fins das penas criminais, porque a sua causa não é a prática do crime, mas a colocação culposa da sociedade numa situação de impossibilidade de cumprimento de uma obrigação tributária. É evidente que para a responsabilização do administrador é necessário que a sentença dê por verificados os pressupostos da responsabilidade e a respectiva condenação” ( Responsabilidade penal das sociedades e dos seus administradores e representantes , Verbo, 2009 p. 443, nota) De acordo com este autor, “[t]rata-se de um caso de um caso de responsabilidade civil por facto próprio, facto culposo causador do não pagamento pelo ente colectivo da dívida que onerava o seu património, quer porque por culpa sua o património da pessoa colectiva se tornou insuficiente para o pagamento, quer porque também por culpa sua o pagamento não foi efectuado quando devia, tornando-se depois impossível.” 9.3. Se se proceder à comparação do regime da responsabilidade civil emergente do artigo 24.º da Lei Geral Tributária (responsabilidade civil do administrador pelo não pagamento do imposto) com o regime da responsabilidade pelo não pagamento das coimas estabelecido pelo artigo 8.º do RGIT, constata-se que estas disposições legais se aproximam ao que se encontra previsto no artigo 78.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), de acordo com o qual “os gerentes, administradores ou directores respondem para com
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