TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
23 acórdão n.º 396/11 5) Cumpre ainda mencionar como sendo objecto do presente pedido de fiscalização sucessiva da constituciona- lidade os artigos 20.º e 21.º da Lei n.º 55-A/2010, na medida em que igualmente estabelecem reduções definitivas, respectivamente, nas remunerações dos juízes e dos magistrados do Ministério Público, preceitos que também se dão aqui por integralmente reproduzidos. 6) Ao contrário do que tem sido noticiado, essa é uma redução definitiva, e não apenas temporária, uma vez que a alteração legislativa que se introduziu não foi acompanhada de qualquer cláusula de temporalidade. 7) Nem sequer serve de argumento para dizer o contrário o facto de a Lei do Orçamento do Estado ser um diploma legislativo temporário em atenção à previsão que nele se faz das receitas e despesas a realizar no ano a que respeita, porquanto essa temporalidade é das verbas e não da parte normativa que as leis orçamentais têm vindo a acrescentar cada vez mais. 8) De resto, a leitura do último preceito da Lei n.º 55-A/2010, o artigo 187.º, é muito elucidativa a este pro- pósito uma vez que nele se estabelece o início da vigência de todo o diploma não simultaneamente estabelecendo qualquer fim para a sua vigência, daí se retirando o óbvio resultado de aquelas reduções valerem a título perma- nente. 9) A gravidade desta medida, para além daquilo que tem de injusto e de imoral, é também de natureza jurídica, por violar a Constituição da República Portuguesa, em várias das suas disposições e princípios. B) Violação do princípio do Estado de Direito 10) Em primeiro lugar, essa norma afigura-se inconstitucional por ofender o princípio constitucional do Esta- do de Direito, tal como ele é plasmado no artigo 2.º do texto da Constituição. 11) Através desse princípio constitucional, podemos perceber que o Estado de Direito implica uma relação de confiança com os cidadãos, não podendo o poder público, sem justificação ou fundamentação material bastante, frustrar as legítimas expectativas criadas. 12) O princípio do Estado de Direito, nesta vertente do subprincípio da protecção da confiança, não impede a alteração das leis, mesmo que isso corresponda a alterações globais de projectos profissionais na Administração Pública. 13) Mas decerto que esse princípio não aceita que tais alterações ponham em causa, para sempre, níveis remu neratórios que legitimamente os trabalhadores em funções públicas consideraram essenciais e irredutíveis no senti- do de a partir deles terem construído as suas opções profissionais. 14) E essa violação é tanto mais violenta quanto é certo ser ela uma infracção que se traduz numa redução salarial permanente, sem que aos trabalhadores sejam dadas perspectivas de reposição, no futuro, dos níveis que até agora têm tido e que não têm sido questionados. 15) Por outro lado, não se pode esquecer ainda o facto de essa violação se justificar no carácter arbitrário da redução porque, sendo permanente, ela assenta num pressuposto que é temporário, que é o pressuposto da crise económico-financeira que grassa no país. 16) Pelo que também por esta via não se vislumbra a justificação material para aquela redução, que nem sequer se mostra ser temporária, antes definitiva. 17) Neste exacto sentido, aliás, já decidiram os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 303/90, de 21/11, e n.º 141/2002, de 9/4, relativos, respectivamente, a uma norma da Lei do Orçamento do Estado de 1989 que deter- minou o abaixamento dos vencimentos de um certo conjunto de professores e a uma norma da Lei do Orçamento do Estado de 1992 que, estabelecendo o limite máximo da remuneração do Primeiro-Ministro para os vencimentos de determinados funcionários públicos, implicou, nalguns casos, a redução de tais vencimentos. C) Violação do princípio da igualdade 18) Em segundo lugar, essa norma incluída na Lei do Orçamento do Estado para 2011 que reduziu os salários dos trabalhadores em funções públicas é também violadora do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. 19) Por esse princípio se percebe que o legislador não pode determinar as suas normas de um modo caprichoso, antes se submete a sérios e rigorosos ditames de igualação e de discriminação positiva, conforme os casos.
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