TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
212 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Desde logo, sem prejuízo de se extrair dos n. os 5 e 6 do artigo 36.º da Constituição uma protecção cons- titucional directa dos pais, surgindo estes como titulares de posições jurídicas subjectivas (vide, quanto ao artigo 36.º, n.º 5, o Acórdão n.º 174/93 e, quanto ao artigo 36.º, n.º 6, os Acórdãos n. os 181/97, 470/99 e 232/04, qualquer deles disponível e m www.tribunalconstitucional.pt ), a protecção constitucional da família e da filiação caracteriza-se, essencialmente, por uma dimensão objectiva, consistente em preservar a unida- de familiar e a relação entre pais e filhos, dela decorrendo, portanto, para o legislador ordinário, sob pena de deficit inconstitucional de protecção (ou de prestação normativa), um dever de legislar em ordem a essa protecção. A isso acresce que é ilegítima qualquer interpretação isolada da tutela constitucional dos direitos dos pais, porquanto, não obstante tal tutela, com ela concorre a protecção também conferida pela Constituição aos filhos, não podendo nela deixar de integrar-se a defesa dos filhos dos próprios pais (cfr., Constituição, artigo 69.º, n. os 1 e 2). Em todo o caso, mesmo quem adopte uma leitura exclusivamente subjectivista dos preceitos constitu- cionais não pode deixar de ter em conta que o âmbito de protecção normativa do próprio artigo 36.º, n.º 6, é limitado pela sua parte final, ficando claramente excluídas da tutela constitucional todas aquelas situações em que os pais tenham incumprido os seus deveres fundamentais para com os filhos. Ora, inserindo-se a norma sub judicio em um regime legal que se ocupa justamente de situações de crianças e jovens em risco e em que, na fase em que se põe o problema da sua eventual revisão, se deu já como comprovado judicialmente o incumprimento dos deveres dos pais para com os filhos, não pode a mesma ser qualificada como uma norma restritiva de direitos, liberdades e garantias, porquanto a tutela constitucional não abrange esse tipo de situações. Assim, a conformidade com a Constituição da proibição da revisão da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção deve ser apreciada, não de acordo com os parâmetros constitucionais previstos para uma medida restritiva de direitos, liberdades e garantias, mas apenas nos termos previstos para a pro- dução normativa que venha dar cumprimento a imposições constitucionais, i. e., segundo um critério de evidência ou de desrazoabilidade manifesta. Ora, o factor da estabilidade da vida do menor é, só por si, suficiente para que se não possa considerar como manifestamente desrazoável que, a partir de determinado momento de um processo durante o qual, com observância plena do contraditório, se procurou, sem sucesso, proporcionar ao menor condições afec- tivas no seio da sua família natural, seja determinado judicialmente, de forma irreversível, a extinção das relações do menor com a família natural e a sua confiança a instituição com vista a futura adopção. Com efeito, considerando a singularidade dessa medida bem como os requisitos legais de que depende a aplicação da mesma – colocação do menor em perigo ou manifesto desinteresse dos pais pelo filho (cfr. artigo 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e artigo 1978.º do Código Civil) –, não é de todo desrazoável que se proíba a sua revisão para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores, assim se procurando evitar que o menor fique sujeito a uma indesejável instabilidade na definição da sua situação, protraindo o dia em que possa vir a encontrar um espaço familiar alternativo onde lhe sejam proporcionadas as condições afectivas a um regular desenvolvimento com vista à sua autonomia. A tal entendimento não obsta a consideração de que a situação dos pais que havia determinado a apli- cação da medida em questão se pode ter, entretanto, alterado, existindo factos supervenientes que possam aconselhar a aplicação de uma medida mais adequada à nova realidade familiar. Antes pelo contrário. É justamente o facto de a conduta e condições dos pais não serem, de todo, está veis, que legitima a limitação da revisão da medida aplicada, porquanto, em situações como essas, existe o risco sério de, da mesma maneira que a realidade da situação familiar se alterou num sentido positivo ela poder subitamente inverter-se, tornando-se novamente em um factor de risco para o menor. Não é ainda desrazoável a proibição da revisão da medida em questão para efeitos de reapreciação da conduta e condições supervenientes dos progenitores da própria perspectiva da preservação da relação entre filhos e pais e da unidade familiar. É que, de outra maneira, sabendo os pais que a aplicação de uma medida
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