TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
199 acórdão n.º 414/11 A consignação de receitas consiste, segundo a doutrina corrente e como se disse no Acórdão n.º 452/87, www.tribunalconstitucional.pt “ (...) na afectação de determinada receita a uma determinada despesa, por tal forma que esta apenas poderá ser satisfeita se e na medida em que o montante (cobrado) dessa receita o possi- bilite (duplo cabimento). E, por outro lado, aquela receita não pode ser destinada a outras despesas, a menos que se verifique um excesso dela sobre a despesa a que foi afectada (cfr. J. J. Teixeira Ribeiro, Lições..., cit., pp. 49 e segs., Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro , Coimbra, 1987, p. 324, e Sabino Teixei- ra, “Consignação de Receita”, in Dicionário Jurídico da Administração Pública , II, Coimbra, 1972, p. 659)”. A razão desta regra é não só a de “evitar a existência de uma Administração Pública fragmentária, desprovida de uma gestão de conjunto, coerente e racional” (Guilherme D’Oliveira Martins, Constituição Financeira, 2.º Vol., 2.ª edição, Associação Académica da Faculdade de Direito – AAFDL, p. 289), mas também, como cau- sa próxima, a de que, correspondendo a fixação das despesas ao montante dos gastos que se prevê necessário suportar, é conveniente que as receitas se destinem indistintamente à cobertura de todas as despesas porque, se assim não for e se a realização da receita previsionalmente afecta a determinada despesa vier a revelar-se inferior ao previsto, a despesa ficaria na contingência de ter de ser menor do que o necessário à satisfação da necessidade pública que a justifica. Nesta perspectiva, é duvidoso que a circunstância de uma despesa que se traduz num subsídio a favor de uma entidade estranha à Administração, fixado de modo a corresponder a um percentual de determinada receita, contenda com a razão de ser da regra da não consignação. É a própria transferência para a entidade beneficiária e, portanto, a despesa do Estado, que se torna congenitamente eventual, apenas existindo se a na medida da cobrança da receita em função da qual é calculada. Não há o risco de que essa destinação possa comprometer a satisfação de uma necessidade pública ou o cumprimento de um dever legal ou contratual a cargo da Administração. Todavia, no caso não interessa averiguar se estamos perante uma verdadeira e própria consignação de receitas. Com efeito, nos termos da definição do seu âmbito, que resulta da conjugação do conteúdo da de- cisão recorrida com a previsão de recorribilidade que abriu o acesso ao Tribunal Constitucional, no presente recurso apenas cabe confrontar a norma em causa com parâmetros de constitucionalidade. Ora, como bem se argumenta nas alegações do Ministério Público e da recorrida, o princípio da não consignação de receitas, apesar de ser uma das “regras clássicas” da organização do orçamento (Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edição, p. 59), não tem consagração a nível constitucional. O Tribunal já o reconheceu, desig- nadamente, nos Acórdãos n.º 452/87 e n.º 361/91, sendo que as revisões constitucionais posteriores a esses arestos não modificaram a base deste entendimento. Como se disse neste último Acórdão «a regra da não- -consignação – regra que postula que ‘todas as receitas devem servir para cobrir todas as despesas’ – não tem consagração constitucional, tendo conhecido «múltiplas excepções, que derivam da existência de situações de autonomia financeira, em que as receitas de determinados organismos são afectadas à cobertura das suas des- pesas no âmbito da sua administração própria, e, também, de expressas determinações da lei, no sentido de que certas despesas só podem ser efectuadas se forem cobradas receitas que as cubram (consignação de recei- tas, em sentido estrito: exige-se então duplo cabimento da despesa, na verba da despesa e na verba da receita que a financia)» (A. Sousa Franco, ob. cit., p. 325; no sentido de que a regra orçamental da não-consignação não tem consagração constitucional, vejam-se, além deste autor, a pp. 327 e segs., J. J. Teixeira Ribeiro, “Os Poderes Orçamentais da Assembleia da República”, in Boletim de Ciências Económicas, Coimbra, vol. xxx, 1987, p. 181, e Lições de Finanças Públicas, 3.ª edição, Coimbra, 1990, p. 83, e, na jurisprudência do Tribu- nal Constitucional, embora incidentalmente, o Acórdão n.º 452/87, já atrás citado, que versa uma questão da afectação ou consignação em sentido amplo de receitas municipais a despesas municipais determinada pelo Estado, a qual apenas foi tida por inconstitucional por constar de diploma do Governo, sem dispor de autorização legislativa)”. Em conclusão e mantendo-se este entendimento, a regra da não-consignação está prevista, comportando significativas excepções, na lei do enquadramento do Orçamento do Estado (artigo 7.º da Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, alterada pelas Leis n. os 2/2002, de 28 de Agosto, 23/2003, de 2 de Julho, 48/2004, de 24 de Agosto e 22/2011, de 20 de Maio), mas não decorre, como tal, do artigo 105.º da Constituição (salvo,
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