TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
198 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL A sentença recorrida parece supor que, com esse princípio, a Constituição proíbe a imposição de taxas ou a atribuição de receitas por via de leis ordinárias avulsas, o que não é exacto. Com efeito, a génese extra- -orçamental dessa imposição ou fonte de despesa não a coloca fora do Orçamento. Este é que deve ser elabo- rado “tendo em conta as obrigações decorrentes da lei ou de contrato”, conforme determina o n.º 2 do artigo 105.º da Constituição, pelo que se a despesa correspondente não for adequadamente inscrita tal será obra da Lei do Orçamento e não do acto normativo que institui a receita ou a despesa. Consequentemente, quando a este fundamento o julgamento de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida não pode manter-se. 8. Seguidamente, a sentença considera violado o princípio da especificação, princípio este que exige que as despesas sejam individualizadas segundo a respectiva classificação orgânica (pelos diversos departamentos da Administração financeira, organismos serviços, artigos, números e alíneas) e funcional (segundo a natu- reza das funções exercidas pelo Estado), de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos (n.º 3 do artigo 105.º da Constituição). Também aqui é evidente que a norma em causa não está em contradição nem sequer comporta qualquer possibilidade de pôr em risco este princípio. Uma norma que se limita a estabelecer o direito de uma entidade perfeitamente identificada a quinhoar numa certa receita do Estado não comporta violação ou risco de vio- lação de tal princípio. O Orçamento é que tem, depois, de prever a despesa correspondente apresentando-a em conformidade com os critérios orgânicos e funcionais legalmente estabelecidos de modo a garantir, não só a transparência mas também os objectivos de racionalidade financeira e controlo político visados pela ins- tituição orçamental (cfr. Rui Guerra da Fonseca, Comentário à Constituição Portuguesa, coordenação de Paulo Otero, Vol. II, p. 944. Mas isso não exige, contrariamente ao que parece pressupor a sentença recorrida, que seja a lei que institui a despesa a proceder ela mesma a essa arrumação ou classificação. É, pois, manifesto que também este fundamento de inconstitucionalidade não pode ser confirmado. 9. Foi ainda considerado na sentença revidenda que a norma em causa entrou em colisão com o prin- cípio da não compensação orçamental. Com este princípio [ rectius, subprincípio do princípio da descrimi- nação das receitas e despesas – artigo 105.º, n.º 1, alínea a ), da Constituição] pretende significar-se que as receitas e despesas devem ser inscritas no orçamento de forma bruta e não líquida. Dito de outro modo, não devem ser deduzidas às receitas as importâncias dispendidas para a sua cobrança ou quaisquer outras, nem às despesas se descontam receitas que tenham sido originadas na sua realização. A sentença recorrida parece ter entendido que, da norma em apreciação resultava a eventual inscrição no Orçamento do Estado das receitas provenientes da gestão dos monumentos em causa, deduzidas do valor correspondente a 25% das mesmas, atribuído à ora recorrida. A receita seria orçamentada pelo mon- tante previsto das cobranças, abatido desta transferência. Mas sem razão, como se sustenta nas alegações do Ministério Público e da recorrida. A norma do artigo 9.º da Lei do Congresso da República nada dispõe quanto ao modo de inscrição da receita cobrada pelas entradas nos palácios de Sintra de que a Misericórdia pretende caber-lhe parte, não obstando a que a mesma seja inscrita no Orçamento do Estado sem qualquer compensação ou desconto. Haverá, de um lado, a previsão de receita; e do outro, como despesa, a verba correspondente à percentagem a transferir para a Misericórdia. Assim sendo, não é admissível imputar-se à norma em causa eventual inscrição das referidas receitas no Orçamento do Estado mediante a dedução do valor correspondente a 25% das mesmas, ou seja, do valor atribuído à ora recorrida, pelo que este fundamento do juízo de inconstitucionalidade também não pode manter-se. 10. Finalmente, a sentença recorrida entendeu que a norma em causa era contrária ao princípio orça- mental da não consignação que também filiou no artigo 105.º da Constituição, considerando-a, também por isso, supervenientemente inconstitucional.
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