TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

197 acórdão n.º 414/11 6. Dispõe o artigo 105.º da Constituição o seguinte: «Artigo 105.º (Orçamento) 1. O Orçamento do Estado contém: a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos; b) O orçamento da segurança social. 2. O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato. 3. O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas. 4. O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.» O quadro primário de conteúdo, elaboração, aprovação e execução do Orçamento constante deste preceito é completado pelo artigo 106.º da Constituição, conjunto normativo relativamente parco que é desenvolvido pela Lei de Enquadramento Orçamental. Relembra-se que o âmbito do presente recurso é restrito à desconformidade da solução normativa em causa – na parte em que institui uma despesa para o Estado – com as regras e princípios orçamentais constantes do artigo 105.º da Constituição, a que o Tribunal vai limitar-se. Como se diz nas alegações apresentadas pelo Ministério Público, o artigo 105.º da Constituição tem uma dupla dimensão, interna e externa . Directamente dispõe (dimensão interna) sobre o modo como deve ser organizado o Orçamento do Estado. Mas também impede (dimensão externa) que leis ordinárias com incidência orçamental contenham disposições atentatórias das regras e princípios nele consagrados. No caso, é esta última dimensão que interessa. 7. Dos n. os 1 e 3 do artigo 105.º da Constituição extrai-se o princípio da plenitude do Orçamento do Estado que comporta dois aspectos ou subprincípios intimamente relacionados: o princípio da unidade – o orçamento deve ser apenas um ( i. e. , único) e o princípio da universalidade – todas as receitas e todas as despesas para determinado período financeiro devem ser inscritas nesse orçamento. O Orçamento do Estado compreende todas as receitas e despesas do Estado, em termos globais, incluindo a discriminação das receitas e das despesas dos fundos e serviços autónomos e do sistema de segurança social (“um só orçamento, tudo no orçamento”). A regra da universalidade visa evitar a exclusão de receitas e despesas da previsão orçamental, assegurando a racionalidade e a transparência financeira e o controlo político da actividade governativa de que o Orçamento é instrumento primordial (Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. I, 4.ª edição, p. 149). Ora, a instituição de uma participação na receita proveniente da gestão de determinados bens públicos a favor de uma qualquer entidade (seja ela pública, privada do sector social ou cooperativo) não é susceptível, por si, de violar o princípio da universalidade do orçamento assim entendido. Efectivamente, nada numa dis- posição legal deste tipo e, desde logo, na disposição legal do artigo 9.º da Lei do Congresso de República aci- ma transcrita, indicia a “desorçamentação” das receitas aí previstas. A atribuição dessa receita à Misericórdia de Sintra – que, na lógica financeira, é uma despesa para o Estado – não aponta, directa ou indirectamente, para a exclusão de receitas ou despesas da apropriada previsão e inscrição orçamental. Esse é um problema posterior que a norma em causa não preordena nem prejudica.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=