TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
191 acórdão n.º 413/11 6. Resta considerar a alegada violação do princípio da proporcionalidade. Além de preservar o núcleo essencial à auto-conformação da identidade do indivíduo, qualquer limita- ção por via legislativa à liberdade geral de acção nesse domínio deve respeitar o princípio da proporcionalida- de. Tem que ser necessária, adequada e não deve alhear-se da justa medida na relação com o fim prosseguido, tendo a intervenção legislativa de justificar-se na relação entre o sacrifício da liberdade de acção do indivíduo e os valores ou interesses em função dos quais tal limitação é imposta, i. e. , há-de satisfazer as três máximas em que se analisa o princípio da proporcionalidade. Ora, o que, em último termo, justifica o sancionamento disciplinar de condutas da vida privada com repercussão na vida pública é o seu reflexo na percepção pela comunidade da disposição ou capacidade do juiz para o exercício do cargo com independência e imparcialidade. Um juiz que é visto pelo público como comportando-se nas suas relações da vida privada em desconformidade com as imposições da ordem jurídica traz para o exercício de funções o risco de os seus julgamentos, quando tenha de apreciar desvios semelhan- tes nos feitos que lhe são submetidos, serem olhados com desconfiança. Mesmo que essa apreciação possa ser preconceituosa ou injusta, essa realidade social é suficiente para que se considere que, em si mesma e independentemente de ponderações concretas, a norma que qualifica como disciplinarmente relevante a exteriorização de comportamentos da vida familiar do magistrado desconformes à ordem jurídica, tendo em consideração a necessidade de confiança do público nos seus julgamentos quando houver de julgar casos semelhantes, não constitui uma ingerência excessiva na sua esfera de liberdade pessoal. 7. Há, todavia, uma última dúvida que emerge da dimensão aplicativa concreta, da específica área de violação dos deveres da vida familiar cuja exteriorização pública foi considerada conduta imprópria discipli- narmente punível. Em primeiro lugar, pode argumentar-se que a alteração das práticas e das representações dos portugueses relativamente à forma de viver o casamento e a família, que culminou na irrelevância do ilícito culposo con- jugal como causa do divórcio na reforma resultante da Lei n.º 68/2008, de 31 de Outubro, torna desneces- sária essa ingerência do Estado na liberdade da vida do juiz. O risco de os cidadãos descrerem numa justiça aplicada por quem assume o mesmo tipo de condutas cujo desvalor pode ser chamado a apreciar atenua-se drasticamente perante a aceitação ou a resignação social e alteração prática do significado anti-jurídico de tal tipo de condutas. Porém, mesmo admitindo que seja possível tal afinamento do objecto do recurso, o certo é que, os deveres de respeito e fidelidade conjugais continuam vigentes na ordem jurídica, não sendo a determinação da culpa no divórcio o seu domínio exclusivo de relevância na sociedade conjugal, pelo que ainda poderá afirmar-se que a repercussão pública de uma situação contrária ao ordenamento será susceptível de abalar a confiança do público na aptidão do sistema judicial para fazer respeitar esse ordenamento quando houver de valorar condutas semelhantes. Em segundo lugar, poderia considerar-se desproporcionado que o juiz responda disciplinarmente pela repercussão na vida pública de actos da sua privada quando essa publicitação seja dominantemente obra da acção de terceiros (no caso, a mulher e a filha), que tenham reagido por forma a criar em público uma situação embaraçosa ou exacerbar‑lhe os efeitos. Parece, porém, que esta perspectiva respeita já à aplicação da norma aos factos provados, ao juízo de imputação, e não à conformidade da norma à Constituição. Pelo menos, a questão assim apresentada não cabe na definição do objecto do 0recurso que é dado pelo sentido normativo indicado pelo recorrente. Neste – que se recorda é ónus do recorrente enunciar e que vem a cons- tituir uma das balizas da pronúncia do Tribunal – ainda pode caber a particularização do sentido normativo relativo ao específico domínio da vida privada que assume relevância pública (o das relações familiares e extra-conjugais), mas já não ao modo como surgiu essa transposição para a esfera da vida pública.
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