TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

190 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o espaço público ou que só são publicamente conhecidas por indiscrição proibida de terceiro), não pode considerar-se, em si mesmo, tal norma como violadora do n.º 1 do artigo 26.º da Constituição. Poderia contra-argumentar-se que, num sistema em que as decisões judiciais são necessariamente fun- dadas na lei e no direito e expressamente motivadas, a conduta do juiz na sua vida particular deve ser funcionalmente indiferente porque, desde que o juiz cumpra os específicos deveres do cargo, a prestação à comunidade do serviço que lhe é cometido fica realizada. A capacidade do juiz para se desincumbir da tarefa de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados seria indiferente às virtudes do juiz na sua vida privada. Não é, porém, assim que as coisas devem ser vistas. As razões que se invocam na generalidade dos sistemas do nosso espaço civilizacional – e com não menor respeito pela pricacy de quem desempenha funções públicas – para proibir aos juízes condutas que seriam irrelevantes na relação de tra- balho ou funcional da generalidade dos cidadãos devem-se a que tais condutas diminuem, de um ponto de vista social, o respeito para com os órgãos de justiça que, em qualquer sociedade organizada e seja qual for o regime político ou a organização judicial adoptada, a população deve professar no conjunto dos tribunais. Com efeito, no que respeita aos tribunais, a sociedade tende a identificar a parte com o todo, generalizando para toda a magistratura a partir da percepção de casos particulares, pelo que o prestígio dos tribunais, neces- sário a que as suas decisões sejam correntemente acatadas, e a estabilidade do sistema jurídico-político jus- tifica a imposição aos juízes de deveres funcionais que vão para lá dos estritos deveres profissionais e podem ser de molde a comprimir a sua esfera de liberdade pessoal. No sistema de justiça a aparência joga um papel fundamental, tendo a descrença da população no aparelho judicial um efeito desestabilizador de incalculá- veis consequências negativas para o regime político e jurídico vigente. (cfr. Jorge F. Malem Sena, “Pueden las malas personas ser buenos jueces?”, DOXA , Cuadernos de Filosofia del Derecho, n.º 24, disponível em http://bib.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01372719768028837422802/doxa24/doxa24_15.pdf ). Questão diversa, que adiante se versará, é a de saber se o concreto sentido aplicativo conferido à norma pelo acórdão recorrido observa as máximas da proporcionalidade. 5. O recorrente considera, ainda, que a norma em causa viola o princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição, por ficar dependente, na sua aplicação prática, das valorações dominan- tes em cada comunidade e das condições de percepção da conduta do magistrado decorrentes da dimensão e das características (populacional, cultural e social) da circunscrição em que as funções são exercidas. É manifesta a falta de razão do recorrente quanto a este fundamento. Como se disse no acórdão recorrido, a colocação de um juiz numa comarca determinada, onde é reconhe­ cido pela maioria da população, pode trazer-lhe exigências de comportamento que não existam noutra cir- cunscrição judicial, designadamente por ser um grande meio urbano. Tal como, p. ex., pode encontrar, em comarcas distintas, diferentes pendências de processos. E daí não resulta ofensa ao princípio constitucional da igualdade, porque a diferença de intensidade da limitação da acção e das obrigações de decoro que surgem entre magistrados e a consequente relevância disciplinar das correspondentes infracções são objectivamente fundadas nas características da circunscrição onde cada um administra justiça “em nome do povo”. Obvia- mente, que não é uma particular idiossincrasia que pode condicionar a conduta exigível ao juiz, mas o que possa ser compatível com a diversidade de valores sociais e de práticas de vida numa sociedade aberta. Como é jurisprudência constante, o princípio da igualdade não proíbe distinções de tratamento, apenas proíbeas diferenciações arbitrárias, o que desta não pode predicar-se. Aliás, em contrapartida – objectivamente, por- que mesmo isso não será necessariamente um bem para personalidades mais reservadas – é também maior o reconhecimento e prestígio social de que goza o juiz colocado em meios onde facilmente é reconhecido pelo público. Para os aspectos positivos e negativos, a cognoscibilidade dos seus actos pela comunidade é um dos fac- tores ou condicionantes que é exigível que o juiz pondere quando actua no espaço público. Improcede, pois, este fundamento do recurso.

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