TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

188 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL O primeiro deles é constituído pelo envolvimento do Sr. Juiz, numa situação em que estava acompanhado pela mulher com quem mantinha um relacionamento extra-conjugal desde há anos, numa discussão iniciada pela sua própria mulher, no âmbito da qual esta o atingiu à bofetada, bem como á pessoa que o acompanhava. Um agente da PSP interveio, o Sr. Juiz afastou-se e a conversa prosseguiu entre as duas senhoras. Tudo isto na presença de várias pessoas, na rua, numa noite de Sábado de Carnaval, após o cortejo carnavalesco e em frente à Câmara Municipal. Numa comunidade pequena, como é aquela em que o Sr. Juiz exerce funções, onde é generalizado o conheci- mento da identidade dos intervenientes, em especial e quanto ao que nos interesse do Sr. Juiz, e facilmente publici- tada a cena, não pode deixar de constatar-se o abalo que a mesma provoca na consideração que os membros dessa mesma comunidade têm para com aquele, em razão da manutenção paralela dos dois relacionamentos, da falta de resguardo e, pelo contrário, da exibição daquele que, pelo menos aos olhos da comunidade, aparece associado a um desvalor moral, em razão da falta de serenidade e sensatez reconhecida a quem actua de forma que dá azo a que, em público, ocorra uma cena daquelas. Tal como refere o acórdão do Permanente, “O Exm.° Juiz (...) expõe desse modo uma vertente do seu compor- tamento que não se coaduna com a imagem de rectidão e aprumo que se exige de um juiz.” Pelo menos, ou mais exactamente, que aquela comunidade exige a um Juiz., pois é patente em diversos comportamentos essa reacção desfavorável: desde logo aquela que na reclamação se critica – que é a dos comentários de outros Magistrados sobre esse relacionamento mas que não serve para mais do que para revelar esse desconforto e desconfiança públicos perante a questão. Tudo o que acaba de se referir é também aplicável à segunda das situações descritas, na qual a reacção não foi do cônjuge do Sr. Juiz, mas sim da sua filha, igualmente em público, igualmente a exigir intervenção de terceiros, igualmente a gerar a afectação daqueles caracteres que a comunidade pretende reconhecer na personalidade de um juiz. Tais valores surgem atingidos, note-se, não pela circunstância de o Sr. Juiz manter um outro relacionamento para além do relacionamento matrimonial, mas pela forma como aquele é exibido e revelado publicamente, em termos que conduzem a uma percepção, pelos mais diversos membros da comunidade em que ambos os relaciona- mentos convivem, das circunstâncias dessa convivência, que subsequentemente os induzem a essa conclusão, por as identificarem com a negação desses mesmos valores. Em face do exposto, não se nos afiguram dúvidas de que tais circunstâncias preenchem o tipo objectivo do artigo 82.º citado, do EMJ.» Foi este sentido normativo que o acórdão recorrido acolheu, julgando improcedentes os vícios invoca- dos, incluindo as questões de constitucionalidade, e negando provimento ao recurso. De modo que, sem caber ao Tribunal apreciar o caso, é relativamente ao sentido do segmento normativo em causa assim concre- tizado que há-de fazer-se o confronto com os preceitos constitucionais invocados: o n.º 1 do artigo 26.º, o artigo 18.º e o n.º 1 do artigo 13.º da Constituição 4.5. O n.º 1 do artigo 26.º da Constituição consagra vários “outros direitos pessoais” que têm em comumintegrarem um “círculo nuclear da pessoa” que corresponde genericamente a direitos de personali- dade (Paulo Mota Pinto, A Protecção da Vida Privada e a Constituição, p. 155). Conjugando a argumentação do recorrente perante o Tribunal Constitucional com os termos, a este respeito mais desenvolvidos em que apresentou a questão perante o Supremo Tribunal de Justiça, infere-se que o direito fundamental que enten- de violado pela solução normativa em apreciação é o direito à reserva da intimidade da vida privada. Não parece que seja este o direito fundamental enunciado no n.º 1 do artigo 26.º da Constituição que a norma em apreciação pode agredir. O âmbito de protecção do direito à intimidade da vida privada é relativo ao controlo da informação sobre a vida privada ( informational right of privacy ) e não ao direito à liberdade da vida privada ( substantive right of privacy ) (cfr. neste sentido Paulo Mota Pinto, loc. cit. , p. 159). Com efeito, porque só estão em causa condutas da vida particular do juiz que assumam publicidade e porque a assumam,

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