TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011
187 acórdão n.º 413/11 ao exercício das sua funções. Sustenta o recorrente que, no entendimento adoptado pela decisão recorrida, não há nenhum acto da vida privada do cidadão-juiz que não tenha repercussão na sua vida pública, pelo que seria violado o artigo 26.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º da Constituição. E que a diversidade de tratamento a que necessariamente conduz esse entendimento, variando a relevância da vida privada do magistrado consoante o lugar onde são exercidas as funções, viola o princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da Constituição No direito da função pública em geral – e, para este efeito, a responsabilidade disciplinar dos magistrados, além da diversa fonte normativa estatutária e da solução expressa (cfr. artigo 82.º do EMJ e o paralelo arti go 163.º do Estatuto do Ministério Público), comportará seguramente acentuadas diferenças de grau, mas os conflitos ou a contraposição de interesses que convergem no problema e nas suas alternativas de solução são essencialmente da mesma natureza – é discutida a relevância disciplinar de condutas da vida particular do agente. A jurisprudência tem admitido que as condutas da vida particular de um servidor público, i. e. , actos e omissões que decorrem fora do exercício das suas funções e não respeitam aos deveres comuns ou especiais do cargo (os deveres profissionais, em sentido estrito), possam constituir infracção disciplinar quando afectem a dignidade e o prestígio da função (vide, com historial e estado actual da questão, Parecer da Procuradoria Geral da República n.º 113/2005, publicado no Diário da República , II Série, de 5 de Julho de 2006). Relativamente aos juízes, no acto punitivo e no acórdão recorrido foi considerado que o Estatuto con- sagra a relevância disciplinar de condutas da vida particular do magistrado, designadamente da sua vida familiar, com repercussão na vida pública. Porém, a norma não foi interpretada no sentido de que as opções da vida privada do juiz, designadamente no plano conjugal ou de relacionamento sexual extra-matrimonial, sejam relevantes qua tale . Isso torna-se evidente na seguinte passagem da decisão do CSM sobre que recaiu o acórdão recorrido e que, embora não esteja em causa no recurso de constitucionalidade, ilumina o sentido normativo com que a norma foi aplicada. Disse-se aí: «O que está em causa não é o Sr. Juiz manter ou ter mantido uma relação extra-matrimonial. O que sobressai negativamente é tê-la exibido em termos que atingiram notoriedade tal que, para além de serem do conhecimento de outros juízes, magistrados do Ministério Público, funcionários judiciais e advogados, deram origem aos actos de reacção da sua mulher e da sua filha, nos dias 25/2/2006 e em Junho de 2006, na presença de público diverso e motivando a reacção de terceiros, no primeiro caso um agente da PSP e no segundo um porteiro de uma discoteca que, passados, meses, ainda recordava o evento. Não está em causa o Sr. Juiz manter ou ter mantido uma relação extra-matrimonial e a sua esposa ter denun ciado o facto, apelando a uma competência do Conselho Superior da Magistratura para intervir e reparar esse facto, denunciado como um mal. Isso seria absolutamente inaceitável. Cabe indagar é a forma como a comunidade tem a percepção e conhecimento daquela realidade e se isso prejudica a dignidade funcional do Sr. Juiz, isto é, se atinge o leque de mais valias axiológicas que a comunidade exige na personalidade de quem administra a Justiça, em seu nome: a rectidão, a sensatez, a independência, o aprumo, a honestidade exigíveis a um juiz. Acresce que, não obstante a argumentação expendida na reclamação, tal reacção não pode deixar de aferir-se em função da concreta comunidade em que a actividade do Juiz se insere, e cujas características não podem a este ser indiferentes. Assim, uma acção que não faz mossa naqueles valores e, por isso, é insusceptível de preencher o tipo objectivo do artigo 82° do EMJ, numa determinada comunidade, pode agredi-los no seio de uma outra, sendo aqui a mesma atitude disciplinarmente relevante. O Sr. Juiz não pode deixar de considerar esses elementos e de os ter presentes quando age publicamente, resultando inapelavelmente condicionado por eles. Tal constitui uma limi- tação à sua liberdade? Admite-se que sim, tal como o dever de reserva, ou a obrigação de residência expressamente previstas no EMJ. Porém, tais limitações são intrínsecas à sua função. A questão que cabe resolver é, no entanto, tão só a de subsumir as concretas condutas apuradas ao regime pres- crito pelo artigo 82° do EMJ, decidindo-se se os episódios devidamente caracterizados nos termos supra descritos constituem factos da vida privada do Sr. Juiz que, repercutindo-se na sua vida pública, são incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício da sua função.
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