TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

186 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL estritos deveres de ofício, possam lesar a confiança da comunidade nas instituições judiciárias, que é indis- pensável, numa sociedade democrática, para que os tribunais possam desempenhar as funções que constitu- cionalmente lhes estão adstritas (artigos 202.º e 203.º da CRP). As previsões normativas relativas aos deveres cuja violação consubstancia ilícito disciplinar não podem deixar de ter ou comportar definições com um espectro genérico uma vez que uma enunciação taxativa ou de tipicidade fechada tornaria legítimos compor- tamentos não previstos mas igualmente reprovados na consciência social. Em princípio, todas as acções ou omissões do agente que consistam em violação dos deveres do cargo ou que se repercutam negativamente na imagem do serviço relevam disciplinarmente. E, como se disse no Acórdão n.º 384/03, que teve por objecto (além do mais) a segunda parte do artigo 82.º do EMJ, “o artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais só considera relevantes os actos e omissões da vida pública ou que se repercutam na vida pública do magis- trado (de fora ficando, portanto, tudo o que não extravase a vida privada do magistrado) e que, ao mesmo tempo, afectem a imagem digna que a magistratura deve ter. Certamente que o preceito em causa apela a conceitos indeterminados. Mas isso não significa ausência de critérios de decisão ou insindicabilidade judi- cial desses critérios. Significa apenas que a lei confere ao aplicador do direito uma certa margem de manobra no preenchimento desses critérios, precisamente porque reconhece que é impossível elencar exaustivamente os comportamentos públicos susceptíveis de afrontar a dignidade da magistratura. […] Nesta medida, exis- tem claros parâmetros a respeitar aquando da aplicação de uma pena disciplinar e é notória a sua objectivi- dade. Ainda que, como se disse, seja necessário preencher conceitos indeterminados como, ‘vida pública’, ou, ‘dignidade indispensável ao exercício da função de magistrado’, a verdade é que são esses e não outros quaisquer conceitos indeterminados a preencher.” Por outro lado, não pode deixar de ter-se em conta, na avaliação do sistema de responsabilização dis- ciplinar dos juízes, que a margem de avaliação administrativa proporcionada pelo uso de conceitos inde- terminados está aqui confiada a um órgão, o Conselho Superior da Magistratura que, pela sua estrutura e composição e pela independência de que gozam os seus membros, está em posição de assegurar o respeito pelos valores envolvidos, designadamente, o princípio da inamovibilidade. A confiança e consideração de que os magistrados devem gozar, para assegurar o prestígio dos tribunais indispensável à prossecução das tarefas de que estão constitucionalmente incumbidos, são conceitos a cujo preenchimento há-de proceder- -se no quadro de valores constitucionais, devendo o órgão competente em cada caso concreto estabelecer se os comportamentos sob censura são reprovados pela consciência social em termos de lesar os interesses do bom desempenho da actividade jurisdicional (cfr., no mesmo sentido e perante semelhante questão de legi- timidade constitucional, sentença n.º 100, de 8/6/1981, do Tribunal Constitucional Italiano, apud Pasquale Gianniti, Principi di Deontologia Giudiziaria, ed. CEDAM, 2002, p. 24). Além disso, parafraseando o que se disse no Acórdão n.º 351/11, não pode deixar de ser considerada a natureza especial dos deveres cujo incumprimento constitui infracção disciplinar. Não estamos perante um qualquer ilícito disciplinar público, mas perante o estatuto disciplinar dos magistrados judiciais que não pode deixar de pressupor, por parte dos agentes, consciência aguda do conteúdo dos deveres profissionais cujo incumprimento determina a aplicação da sanção; e, por parte da autoridade “administrativa” que julga, consciência aguda dos limites do julgamento. Em conclusão, a norma em causa não viola o n.º 1 do artigo 216.º, nem as exigências de determinabi- lidade das normas sancionatórias inerente ao princípio do Estado de direito. 4.4. Seguidamente, importa passar à outra questão que o recurso coloca, respeitando agora ao conteúdo material desta norma. Com efeito, o recorrente põe em causa a constitucionalidade do último segmento do artigo 82.º do EMJ não apenas quanto à sua estrutura como “norma aberta”, mas também quanto às inge- rências do Conselho Superior da Magistratura na vida particular do magistrado judicial que a qualificação como ilícito disciplinar consubstancia. Está agora em apreciação a norma do referido segmento normativo interpretada no sentido de que actos ou omissões da vida familiar e conjugal de um juiz podem repercutir-se na sua vida pública em termos que posam ser considerados incompatíveis com a dignidade indispensável

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