TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 82.º Volume \ 2011

184 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL aplicáveis”). O interessado fica a saber, em termos de facto e de qualificação jurídica, que actos ou omissões se lhe imputam e que consequências punitivas se pretende daí extrair, de modo a poder eficazmente defender-se, seja negando total ou parcialmente os factos ou as suas circunstâncias, seja invocando contra eles outros que lhes retirem ou modifiquem a significação jurídica ou se repercutam no exercício do poder disciplinar, seja contestando a qualificação jurídica que é proposta para os factos descritos. Para tanto – para que a acusação satisfaça as exigências constitucionais de audiência e defesa do arguido – não é necessária uma explicitação, na nota de culpa, do conceito de dignidade indispensável ao exercício das funções”. Para que o interessado possa defender-se da pretensão punitiva basta-lhe conhecer a materialidade fáctica que lhe é imputada, com as suas circunstâncias de modo, lugar e tempo, e saber que é nesse conceito relativamente indeterminado que se pretende subsumir a conduta descrita (previsão) e que efeitos (pena) se pretende isso implicar. Com isso o arguido, fica em condições de discorrer sobre a possibilidade de enquadramento ou não dessa acção ou omissão no referido conceito legal, sem que para tanto seja indispensável um discurso autónomo – a explicitação da premissa intermédia através da qual o conceito indeterminado se concretiza – na peça acusatória sobre o que se entende por dignidade indispensável ao exercício das respectivas funções ou sobre o modo como se entende que a acção ou omissão imputada nela se repercute. Coisa diversa, mas que respeita já à suficiência da enunciação da norma que prevê a infracção – a uma questão de validade de outra norma, da norma disciplinar substantiva e não da norma disciplinar procedimental – e que seguidamente se abordará, é a de saber se a norma que prevê a infracção satisfaz as exigências de determinabilidade constitucionalmente exigíveis. Em conclusão, a norma do n.º 1 do artigo 117.º do EMJ, interpretada no sentido de que a acusação não tem de explicitar o conceito de “dignidade indispensável ao exercício das suas funções”, não ofende a garantia de que o processo disciplinar assegure ao arguido os direitos de audiência em defesa. 4. O recorrente pretende que o último segmento normativo do artigo 82.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, interpretado e aplicado no sentido de que os actos ou omissões da vida privada, familiar, conjugal e íntima de um juiz podem repercutir-se na sua vida pública em termos que possam ser considerados incom- patíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções, sem concretizar quais possam ser tais actos ou omissões, o modo como possam repercutir-se e o conteúdo do que deva considerar-se indispensável à dignidade do exercício das funções, é materialmente inconstitucional, por violar o disposto nos artigos 13.º, 18.º, 26.º, n.º 1, e 216.º, n.º 1, da CRP. Coloca a propósito desta norma problemas de duas ordens. O primeiro consiste em saber se a norma da parte final do artigo 82.º do EMJ é suficientemente determinada. O segundo diz respeito ao próprio conteúdo da infracção, à possibilidade de punir magistrados judiciais por factos da sua vida privada que se repercutam na sua imagem pública. 4.1. Sustenta o recorrente que a previsão da infracção disciplinar do último segmento do artigo 82.º do EMJ é feita de tal modo que lesa, desde logo, os princípios constitucionais de determinabilidade e pre- cisão das leis punitivas. É esta uma questão a que o Tribunal já respondeu negativamente, em arestos que incidiram directamente sobre esta norma (Acórdão n.º 383/10, disponível, como os demais citados, em www.tribunalconstitucional.pt ) ou sobre normas de teor semelhante respeitante a estatuto especial paralelo (Acórdão n.º 351/11). O recorrente acrescenta que a norma em causa conduz à afectação negativa de uma garantia funda- mental do estatuto dos juízes, que é a inamovibilidade (n.º 1 do artigo 216.º da CRP). Não podendo os juízes ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei, será censu- ravelmente aberta a previsão de uma infracção disciplinar que pode conduzir à aplicação de uma pena de transferência (foi essa a pena aplicada ao recorrente) por “actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam, incompatíveis com a dignidade indispensáveis ao exercício das suas funções”. Entende o recorrente que com o segmento normativo em apreço, pela falta de tipificação das condutas qualificáveis como infracção disciplinar,se corre o risco de interpretações com tal liberdade que o conteúdo do princípio

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